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Do golf ao golfe – O esporte bretão em terras brasileiras – Entrevista com Hans Vlcek

Por Jully Tsuchitori

No dia 11 de agosto de 2016, às 7h da manhã, horário de Brasília, o brasileiro Adilson da Silva escrevia seu nome na história ao dar a primeira tacada em um torneio de golfe olímpico em 112 anos. O golfista terminou sua participação no evento no domingo em 39º lugar. O Brasil foi representado no torneio feminino por Miriam Nagl e Victoria Lovelady, que terminaram, respectivamente, em 52º e 53º lugares. Quanto à cidade do Rio de Janeiro, ganhou um campo público oficial com 18 buracos e a oportunidade de acompanhar um evento de altíssimo nível em solo brasileiro.

Este esporte britânico chegou ao Brasil ainda no século XIX, trazido juntamente com o futebol pelos funcionários ingleses que vieram ao país para construir a São Paulo Railway. Porém, suas origens são bastante antigas, havendo registros do século I A.C. de esportes similares ao golfe atual na Grécia Antiga. Entretanto, as primeiras menções ao termo datam do século 15, quando muitos escoceses preteriam o serviço militar em favor da prática do ancestral do golfe, tão popular quanto o seu contemporâneo, o ancestral do futebol. Esses atos de negligência tomaram tal proporção que ambos os esportes, considerados supérfluos, foram proibidos pelo Parlamento Escocês em 1457, buscando canalizar a atenção e energia dos súditos ao arco e flecha, uma prática julgada útil por ter aplicação militar. As 13 regras do golfe foram codificadas em 1744 na Escócia por um grupo autodenominado The HonourableCompanyof Edinburgh Golfers (A Honrosa Companhia de Golfistas de Edimburgo), cujo propósito era criar regras padronizadas para um campeonato a ser disputado no mesmo ano.

O campeonato mais antigo ainda existente é o The Open Championship, que completou 150 anos em 2010, e é disputado no mítico campo de St. Andrews, na Escócia. O The Open Championship faz parte de um grupo de quatro torneios que compões os chamados majors, os mais importantes da temporada masculina internacional, juntamente com o Masters Tournament, o U.S. Open e o PGA Championship. Dá-se o nome de ‘Grand Slam’ à vitória nos quatro majors em uma mesma temporada, feito que nunca foi alcançado por nenhum jogador profissional.  Tiger Woods, considerado um dos melhores jogadores da história, chegou próximo, ao vencer os 4 campeonatos consecutivamente, mas um deles em uma temporada diferente. O americano Bobby Jones conseguiu ganhar as 4 competições tidas como majors em 1930, mas 2 delas eram torneios amadores.

Outros grandes jogadores foram Jack Nicklaus, detentor de 18 majors, fazendo dele o maior vencedor da história; Arnold Palmer, Walter Hagen, Ben Hogan, Sam Snead, entre outros. Curiosamente, apesar das origens britânicas do golf, os maiores vencedores de torneios do PGA Tour (Professional Golfers’ Association), alguns dos quais compõem a lista acima, são americanos. Porém, a acirrada rivalidade entre países dos dois lados do Atlântico deu origem à Ryder Cup, torneio bienal entre jogadores europeus e americanos, os últimos, detentores de 26 dos 41 torneios disputados.

Isso mostra a força do esporte nos Estados Unidos, que movimenta em torno de US$ 70 bilhões por ano, conta com aproximadamente 25 milhões de jogadores amadores e profissionais, um canal de TV a cabo exclusivamente dedicado ao golfe, e tem, em média,71 milhões de espectadores por temporada. O que os números não mostram é que este esporte vem sofrendo com o declínio de praticantes, público e audiência no país e, por conta disso, o presidente do PGA Tour acredita que o reingresso do golfe nos Jogos Olímpicos foi de suma importância para recuperar o público perdido.

Apesar de ainda ter poucos praticantes no Brasil (em torno de 20 mil jogadores), o golfe vem crescendo, em média, 12% ao ano no país, além de ter baixa taxa de desistência (em torno de 20%). Porém, é um esporte caro, pois requer investimentos em equipamento, aulas e até utilização do campo, uma vez que são cobradas taxas para a utilização do campo. Ademais, o país conta com apenas 123 campos de golfe, um número incipiente se comparado aos 15.373 campos existentes nos Estados Unidos. Em São Paulo, é possível treinar tacadas no driving range Prince Tower, no Bom Retiro; ou no campo da Federação Paulista de Golfe, em Congonhas, o Embrase Golf Center. Para os iniciantes que ainda não querem se aventurar com tacos e bolas de verdade, o Clubhouse, nos Jardins, oferece o melhor simulador de golfe do mundo para seus clientes praticarem.

Jogar golfe na terra do futebol não é uma tarefa fácil, mas a entrevista abaixo com o golfista sueco, Hans Vlcek, ilustra as possibilidades da prática do esporte no país. O golfista de 62 anos,radicado no Brasil e egresso do curso de economia da FEA,pratica golfe há 55 anos e é professor há 15; atualmente, é um dos profissionais que lecionam na Federação Paulista de golfe.

BJE: Como você começou no golfe?

Hans Vlcek: Eu comecei jogando golfe em uma época em que todo mundo achava que golfe era esporte de homossexual e idoso. Meu pai entrou de sócio em um clube, chamado Clube de Campo São Paulo, e lá tinha golfe, tênis, náutico. Meu pai jogava golfe, eu fui experimentar e gostei, comecei desde pequeno. Sempre joguei em clubes, comecei no Clube de Campo, depois fui sócio do São Paulo Golf Club. Sempre disputava torneios aqui no Brasil, eventualmente, fui para fora jogar torneios no exterior, mas era tudo por conta própria. Uma vez, tive o privilégio também de jogar um torneio de golfe pelo Brasil, apesar de ser sueco. Joguei um mundial universitário, porque não conseguiam completar a equipe, então fui eu. Depois, teve uma época em que eu dava umas aulas de golfe também, ainda era amador, mas eu dava umas aulas escondido e ganhava um dinheiro. Era tipo um amadorismo marrom, né?

BJE: E a decisão de tornar-se profissional?

Hans Vlcek: Eu sempre fui um jogador amador de alto rendimento, mas eu trabalhava no mercado financeiro, estava na área de recursos humanos, dava treinamento para trainees. E depois, os bancos foram diminuindo, foram sendo vendidos, e acabei ficando na dança das cadeirinhas, termina o ano e tiram uma cadeirinha, aí, um dia, fiquei sem a minha cadeirinha. Eu não queria voltar para o mercado financeiro, e resolvi melhorar a minha qualidade de vida, então, fui fazer aquilo que eu mais gostava na vida, que era jogar golfe.

BJE: Como é o preparo físico de um jogador de golfe?

Hans Vlcek: Depende do nível de atividade. Se você quer ser um jogador profissional de alto rendimento, tem que fazer uma ginástica específica muito intensa para desenvolver diversos músculos. Nos últimos anos, houve uma evolução dos estudos biomecânicos, então, hoje em dia, temos um entendimento muito melhor de quais músculos fazem acionar mais rápido o taco. O pessoal tem toda uma preparação física específica.

BJE: O golfe é um esporte realmente caro de ser praticado?

Hans Vlcek: O golfe é um esporte de classe média. O que inibe a prática do golfe no Brasil? Uma, o mercado é pequeno; segunda, o investimento para a construção de campo é enorme. Então, acaba ficando um custo alto, porque para você jogar, você tem que entrar de sócio em um clube, e fica muito caro você entrar de sócio em um clube. Não tem campo público. Veja, por exemplo, nos Estados Unidos, as prefeituras investem em campos de golfe, porque além de incentivar um esporte considerado ecologicamente correto, o pessoal ainda paga para jogar e a prefeitura acaba ganhando dinheiro. Aquilo paga a manutenção do campo e ainda sobra um pouco, então, é um negócio que é bom pra todo mundo. Então, tem esses dois nós de entrada: o custo com equipamento e o custo de você jogar em um campo; tem que pagar uma taxa, e é muito caro.

BJE: Tendo em vista esse alto custo para a prática do golfe, qual a perspectiva do esporte no Brasil?

Hans Vlcek: Todo mundo achava que com as Olimpíadas o negócio ia crescer, né? Mas aí, veio a crise. O que acontece? A crise está matando a classe média, e o golfe é um esporte de classe média. O número de praticantes começando diminuiu bastante.

BJE: Você tem alguma dica para quem quiser começar no golfe hoje?

Hans Vlcek: Para quem quer começar no golfe hoje, só tem um caminho, chama-se Federação Paulista de Golfe. Tem um local de treino aqui para você conhecer o esporte, aqui tem um campinho pequeno chamado campo executivo, tem um local de prática, tem professores. Então, a pessoa tem contato com o que é golfe, o taco, a bola, e começa a pegar uma noção da brincadeira. A estatística é o seguinte, o pessoal do sexo masculino, de cada 10 que começam, 8 ficam, uma taxa de retenção alta. Para as mulheres, é pequena; de cada 10 que começam, 7 param, só ficam 3. O problema é ensinar para uma pessoa do sexo feminino que golfe é técnica, não potência muscular. As mulheres têm muito mais elasticidade do que os homens, mas elas acham que têm que fazer muito mais esforço muscular para poder mandar a bola longe, então, no começo elas sofrem muito para aprender.