Sentimento de Copa
O segundo episódio da trajetória do Brasil na Copa da Rússia terminou com emoção. Não que a partida tenha sido empolgante, mas sim que, logo após o apito indicando o final da partida, Neymar caiu de joelhos em uma demonstração de comoção. Naquele momento, após a afirmação do resultado, ele se viu no direito de se sensibilizar.
A Seleção venceu sua primeira partida no torneio. Os mais incrédulos fizeram questão de enfatizar que o Brasil não triunfava havia três jogos, sendo dois deles na Copa passada (as derrotas para Alemanha, na semi, e Holanda, na disputa de terceiro lugar).
Ressalva um tanto quanto limitada e iníqua, pois no dia 13 de julho de 2014, no Maracanã, terminava a Copa sediada no Brasil. A participação da Seleção acabara 5 dias antes (8). Junto com o título alemão, veio o término daquela edição.
E parece que é justamente isso que tais críticos não entendem: a Copa seguinte não é uma continuação da competição passada. A confirmação deste fato é que as seleções que compõem o mundial não são as mesmas. Nem os jogadores das equipes que se mantém na disputa são exatamente os mesmos.
E sem falar também no intervalo de quatro anos. Se, no universo político, um novo candidato que assume, frente ao fracasso do anterior, alega uma renovação, por que no futebol tem que ser diferente? Com o fim de uma Copa, se tem o início de um novo ciclo.
Tudo bem que é inegável que o legado do 7 a 1 paire sobre a Seleção. Entretanto, de nada adianta descarregar, gratuitamente, nossos desapontamentos e anseios como torcedores do país mais campeão de todos nos jogadores. Nem nos remanescentes, nos que não jogaram no dia do Mineiraço, muito menos nos que nem compunham o elenco. Pelo menos, não antes da hora.
Nas adversidades, busca-se um responsável. No futebol, não poderia ser diferente. Não que jogadores não tenham suas parcelas de culpa. Muito pelo contrário. O ônus de todo profissional é arcar com as consequências de seus atos. O problema é quando um atleta tem que lidar com a condenação pública e massificada. Imagine, é devastador.
No caso do Mundial passado, responsabilizaram os protagonistas da dolorosa eliminação. Nesta, já estão sendo vários os encarregados. O goleiro que falha, o defensor que compromete, o meio campista que se esconde, o atacante que não resolve, o técnico que se mantém impassível.
Na quinta foi o Messi, na sexta, Neymar. Logicamente, as críticas e cobranças recaem em quem tem potencial para decidir. A terminologia de “craque” inclui essa conotação. Espera-se, destes, a capacidade de mudar e de resolver um jogo. Porém, se o futebol dependesse somente disso, perderia o seu encanto.
Não podemos ficar reféns de maestria. Deve-se cobrar dos jogadores, desde rendimento, dedicação, gana. E sempre. Ainda mais de quem veste a camisa do Brasil. Da nossa Seleção. Este o cerne da questão: diferenciar cobrança de condenação. O plantel não se resume à estrelas. São 23 jogadores convocados.
Justamente por isso, a crucificação de atletas específicos, num esporte essencialmente coletivo, é levar em consideração somente uma parcela muito limitada do todo. Sem dúvidas, se espera de um dos melhores jogadores do mundo uma performance astronômica. No mínimo diferenciada.
E o Neymar está devendo. Isso é fato. Mas responsabilizá-lo pelo não convencimento do futebol da Seleção é intransigente e falta de discernimento. É exigido dele uma jogada pincelada de genialidade a cada toque na bola. A cada desequilíbrio, descarrega-se uma enxurrada de críticas e julgamentos.
O Neymar tem que amadurecer. Outro fato. Ele precisa entender que já tem 26 anos e que atitudes de “menino” não cabem mais. E isso não implica em nada na questão de seu estilo de jogo ousado e alegre. É questão de profissionalismo.
Ele é a referência da Seleção brasileira, e sabe disso. Neymar percebe toda a pressão que tem em seus ombros. É inevitável. A cada movimento dele, ela se manifesta. Desde que começou a se destacar, sempre foi assim. Nos tempos de Santos, em que era a estrela máxima do futebol nacional, era assim.
Mesmo no Barcelona, rodeado dos melhores jogadores, era assim também. E ele provou, com a sua transferência para o PSG, que quer chamar a responsabilidade. A questão está na cobrança. Se ele não marca gol, foi ineficaz. “Neymídia”. Se o Brasil não ganha, acusam que não jogou bem. Se o Brasil leva a gol, a culpa é dele, de algum jeito.
Até mesmo se não atua, denunciam a dependência da Seleção para com ele. “Neydependência”. E quando joga bem, não fez mais do que a obrigação. As críticas ainda se potencializam em época de Copa do Mundo.
Então, não. Seu choro não foi de fraqueza. Apesar do que muitos possam achar, se emocionar é uma demonstração muito comum e natural: é humana.
Seu choro foi um desabafo, um momento de “gente como a gente” em uma partida do maior campeonato do mundo. A tentativa de deslegitimação do ato é ignorar totalmente o lado emocional no esporte. Além de um desserviço. O futebol, dentre as muitas coisas que este esporte significa e representa, é um jogo de emoção. Ainda bem se ela se manifesta. Imagina se não?
André Martins Gonçalves Pesquisador PROCAD USP-UFMS-UFRN em Iniciação Científica Título: Crônicas Esportivas - A Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Rússia 2018