COLUNA DO MEIOCrônicas

Telê Santana: uma homenagem ao futebol-arte

O debate contemporâneo em torno do futebol-arte passa, necessariamente, pela figura de Telê Santana da Silva, a quem dediquei parte das minhas pesquisas, como o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na Universidade Estadual de Londrina (UEL), em 1995, e a Dissertação de Mestrado defendida na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), em 1998. Durante esse período, tive a oportunidade de encontrar o mestre em duas oportunidades:

A primeira conversa foi em 1995, meses após o São Paulo Futebol Clube perder o tricampeonato da Taça Libertadores da América para o Vélez Sarsfield, da Argentina, em pleno Morumbi, após cobranças de pênaltis (3 a 5). O time estava desgastado pela derrota e o comandante tricolor tentava encontrar um novo caminho à equipe.

Entrei em contato com a assessoria de imprensa desse clube paulista com o objetivo de agendar uma entrevista com o treinador. Não foi fácil, mas consegui marcar o encontro para uma terça-feira do mês de fevereiro.

Nesse dia, cheguei cedo ao Centro de Treinamento Frederico Antonio Germano Menzen, ou CT da Barra Funda, louco para acompanhar as atividades do melhor time do mundo na década de 1990. Porém, não tive chance, pois o treino daquele dia foi fechado ao público e aos jornalistas.

A administração do CT solicitou que eu aguardasse em uma sala até o encerramento das atividades de campo. Minutos depois, Telê chegou visivelmente irritado e, de imediato, perguntou: “Pois não, o que deseja?”. Antes de responder, solicitou que eu esperasse um pouco, porque iria se banhar e logo retornaria.

Enquanto o esperava, fiquei pensando na pergunta que faria. Quando ele chegou, expliquei rapidamente sobre o meu trabalho acadêmico e perguntei: “O que é futebol-arte?”. Em síntese, a resposta foi simples e direta: “É quando uma equipe joga e também deixa o adversário jogar”. Falamos mais um pouquinho e o mestre me acompanhou até a saída do CT. Nossa conversa foi rápida, mas fundamental para meu TCC “Relação arte e força no futebol brasileiro – um conflito à brasileira na visão da crônica esportiva”. O estudo analisou o debate esportivo no Brasil naquela época entre os jornalistas brasileiros que defendiam o futebol-arte e os que exaltavam o futebol-força.

De um lado, estava o São Paulo Futebol Clube, bicampeão mundial interclubes em 1992 e 1993, no Japão, como representante do futebol-arte e, de outro, a seleção brasileira tetracampeã mundial em 1994, nos Estados Unidos, que, em tese, seria o modelo atual de futebol-força.

Telê Santana. Ilustração: Rafael Venancio.

Três anos depois, voltei a entrevistar o técnico para minha dissertação de mestrado “O futebol-arte de Telê Santana no jornalismo esportivo de Armando Nogueira”, que está disponível aqui no Ludopédio. A conversa aconteceu em Belo Horizonte (Minas Gerais), após minha mamãe, Maria Aparecida (dona Cidinha) ter enviado uma carta à Prefeitura de Belo Horizonte solicitando ajuda para o agendamento desse encontro.

Fui muito bem recebido pela equipe comandada por Wadson Lima, ex-treinador da seleção brasileira de vôlei feminino nas Olimpíadas de 1992 e que estava trabalhando no governo local. Minha mãe era professora e também missivista (escrevia cartas) como a personagem Dora, que foi protagonizada por Fernanda Montenegro, no filme “Central do Brasil” (1998), dirigido por Walter Salles. Essa belíssima obra ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim, além de representar o Brasil no Oscar, com Montenegro concorrendo também na categoria de melhor atriz.

O ano era 1998, quando Telê já tinha se afastado do futebol e estava em recuperação de um problema de saúde. Fui até a casa dele junto com meu amigo Wilton Garcia Sobrinho, hoje professor universitário na FATEC-Itaquaquecetuba e na Universidade de Sorocaba (UNISA), que, na época, morava na capital mineira e ajudaria na gravação da entrevista. Fui muito bem recebido pela família Santana da Silva e tivemos um diálogo de cavalheiros. No final da entrevista, fiz a mesma pergunta de três anos atrás: “O que é futebol-arte?”.

A resposta de Telê revelava uma preocupação com a violência no esporte, bem como uma bandeira em defesa dessa filosofia de jogo (futebol-arte):

“Eu, por exemplo, quando acompanho uma partida, não quero ver um  jogador fazer falta no outro. Gostaria de vê-lo atuar bem, como [o jogo]  deve ser jogado. Ali há um entendimento entre os atletas para que  tenhamos um bom conjunto e, como consequência, as jogadas acontecem; e  dessas vêm as vitórias e os títulos. É, assim, que deve ser jogado o  futebol. Por isso é que eu sempre briguei e lutei pelo bom futebol”.

22 anos depois, estava em casa quando recebi uma mensagem do meu amigo e professor de sociologia da Universidade Federal do Paraná, José Luiz Fernandes Cerveira Filho, para assistir a Série “English Game”, na Netflix.

A produção discute basicamente o início do profissionalismo no futebol inglês. Porém, o que mais me chamou atenção foi uma discussão em torno do futebol-arte. Percebendo que o time adversário (Darwen Football Clube) era superior, o atual campeão Old Etonians, apela para a violência para conquistar a vitória, atitude questionada pelos jogadores e parte da torcida. No ano seguinte, o próprio Darwen usa de tática semelhante para vencer o Blackburn, gerando confusão e brigas dentro e fora de campo. A consequência mais grave foi a séria lesão do jogador, Jimmy Love, do Blackburn.

Esse filme trouxe à minha memória o legado deixado por Telê Santana, personagem sempre lembrado pelos cronistas esportivos por causa das brilhantes atuações da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha. Porém, o que poucos compreendem é que está em jogo não só a vitória, mas a sobrevivência do esporte e a busca por uma sociedade criativa, saudável e pacífica.

PS: Telê Santana da Silva nasceu no dia 26 de julho de 1931 e faleceu em 21 de abril de 2006, mesmo dia de outros mineiros famosos, como Tancredo de Almeida Neves e Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.


Colaboradores: Rafael Duarte Oliveira Venancio (imagem), Sandra Andrade do Val (revisão), Enio Moraes Junior (edição), Wilton Garcia Sobrinho e José Luiz Fernandes Cerveira Filho (memória)

Homenagem Póstuma a Maria Aparecida Barros Maluly, Wadson Lima e Telê Santana da Silva.