CrônicasOLIMPÍADA & CAIPIRA

Os mitos e lendas dos Jogos Abertos – Os “Estrangeiros”

Por Gustavo Longo

Na semana passada, expliquei aqui alguns dos motivos que fazem dos Jogos Abertos do Interior um grande reduto de lendas e mitos esportivos. A descentralização na narrativa e a falta de memória ao jornalismo esportivo brasileiro estão entre os fatores que contribuem para a falta de compreensão do maior evento esportivo da América Latina.

A partir desta semana, esta coluna pretende abordar algumas destas histórias sobre a formação e a consolidação da competição no imaginário esportivo nacional. O objetivo é elucidar estas questões, permitindo que, no futuro, seja possível ter uma história mais nítida sobre os Jogos Abertos do Interior.

Nesse sentido, o primeiro mito que deve ser explicado é justamente a participação de cidades fora do estado de São Paulo. A presença destes municípios é vital para entender um pouco mais sobre a história da competição.

Quem busca conhecer um pouco mais sobre as primeiras edições dos Jogos Abertos vai ver que a o município mineiro de Uberlândia foi o campeão das três primeiras edições (1936, 1937 e 1938) e que a entrada do Governo de São Paulo na organização do evento, em 1939, limitou a participação apenas às cidades paulistas.

Isso é um verdadeiro mito!

As cidades de outros estados não foram excluídas dos Jogos Abertos do Interior a partir de 1939. Pelo contrário, elas participaram regularmente até a década de 1960 quando, finalmente, o governo paulista instituiu critérios mais rigorosos de classificação, como a obrigatoriedade de participação dos Jogos Regionais (que envolve as regiões esportivas de São Paulo).

Baby Barioni, responsável pela criação dos Jogos Abertos do Interior, queria que a competição reunisse todas as cidades do interior do Brasil. Em 1936, por exemplo, ele enviou um ofício a mais de uma centena de prefeituras de todo o país convidando para a disputa em Monte Alto, na região de Ribeirão Preto. Em sua visão, era preciso reunir todos os atletas que moravam fora das capitais para estimular a prática esportiva.

Assim foi feito em suas primeiras edições. Uberlândia se revelou uma das principais incentivadoras graças, sobretudo, à atuação do dirigente Boulanger da Fonseca e Silva. Com a equipe de basquete, não só conquistou o tricampeonato entre 1936 e 1938 como também sediou a segunda edição em 1937, programada inicialmente para Casa Branca, e que teve a estreia da natação masculina e feminina.

Equipe de basquete de Uberlândia, campeã da primeira edição dos Jogos Abertos do Interior. Cidade mineira foi decisiva para crescimento da competição. Crédito: Reprodução/Folha da Manhã 22.dez.1936

A lista das cidades mineiras não para por aí. Juiz de Fora, Araguari, São João Del Rei, Lavras, Poços de Caldas e Uberaba também participaram de edições ao longo das décadas de 1940 e 1950. Ainda na Região Sudeste, Barra Mansa, do Rio de Janeiro, também competiu em determinados anos.

Outras regiões também se inscreveram neste período. Do Centro-Oeste participaram Campo Grande, então cidade do Mato Grosso (Mato Grosso do Sul surgiria na década de 1970) e Ipameri, Cidade de Goiás e Anápolis, todas de Goiás. Do Sul, Pelotas (Rio Grande do Sul), Joinville e Brusque (Santa Catarina) e Ponta Grossa, Londrina e Maringá (Paraná). A presença destas delegações chamava a atenção dos meios de comunicação e dos organizadores, que apelidavam-nas de “estrangeiras”.

Por que, então, as cidades de outros estados não puderam participar mais dos Jogos Abertos do Interior?

A partir de 1941, o Departamento de Educação Física e Esporte (precursora da Secretaria Estadual de Esporte), que tinha assumido a organização do evento dois anos antes, passou a ter uma atuação mais efetiva no certame para conter o crescimento exacerbado do número de atletas e de modalidades – uma das medidas era justamente limitar o convite a outras unidades da federação.

Nas primeiras edições, por exemplo, o governo paulista concedia passes ferroviárias aos atletas para facilitar o deslocamento. Esse apoio desapareceu com o crescimento dos Jogos Abertos e, por mais que as cidades tivessem alojamento à disposição, era preciso arcar com os custos de deslocamento e alimentação – o que encarecia as despesas e assustava municípios de localidades mais distantes. Não à toa, Paraná e Santa Catarina decidiram criar seus próprios Jogos Abertos em 1957 e 1960, respectivamente.

Em um artigo publicado em 1948, no Diário da Noite, Baby Barioni percebeu esse movimento. Afastado desde 1941 da organização da competição que ele próprio idealizou por desentendimentos com o governo de São Paulo, o dirigente fez uma severa crítica aos organizadores dos Jogos Abertos.

“É que se desconhecer que os Jogos do Campeonato Aberto do Interior, fundados em 1936, em pleno Congresso de Fundação, ficou deliberado que a competição seria para todo o Brasil – INTERIOR DO BRASIL” (grifos e destaques do autor).

Curiosamente, nas cinco edições em que Baby Barioni foi contratado pelas cidades-sedes para auxiliar na organização, houve recorde na presença de cidades de outros estados:  1943 (Sorocaba), 1944 (Taubaté), 1956 (Bauru), 1957 (São Carlos) e 1958 (Piracicaba). Inclusive com campanha nos principais meios de comunicação para reforçar o convite aos estados.

Além da questão econômica, outro ponto foi crucial para o Governo de São Paulo impedir a participação dos municípios “estrangeiros”: a busca por melhor desempenho atlético. Até então aberta a todos os interessados, sem distinção de desempenho na modalidade, a partir da década de 1960, o poder público queria fazer dos Jogos Abertos a principal celebração esportiva, reunindo os melhores competidores do estado.

Ou seja: queria instituir critérios de classificação e participação baseadas no mérito esportivo. Dessa forma, em 1965, o Departamento de Educação Física e Esporte publicou a Portaria 265, instituindo os Jogos Regionais, evento realizado em cada região esportiva do estado, como etapa classificatória. Era o ponto final da participação de municípios fora de São Paulo na principal competição esportiva do interior.

Gustavo Longo é jornalista especializado em cobertura esportiva e Mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação na ECA/USP