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Anos 70: Emerson Fittipaldi entre dois mitos da Fórmula 1

Por Sergio Quintanilha

Se os anos 1960 foram ricos na criação de mitos para a Fórmula 1, os anos 70 não ficaram atrás; pelo contrário, superaram a década anterior. Curiosamente, nem a Grã-Bretanha nem a Lotus sucumbiram à morte do ídolo Jim Clark. O automobilismo britânico manteve-se na crista da onda com os títulos do inglês Graham Hill em 1968 (Gold Leaf Team Lotus) e em 1969 com o primeiro título do escocês Jackie Stewart. Foi no embalo de uma Lotus vitoriosa que o austríaco Jochen Rindt ganhou o campeonato de 1970, já a bordo do Lotus 72, um avanço em relação ao Lotus 49.

Mas o título veio de forma trágica, com a morte de Rindt nos treinos do GP da Itália. Foi preciso que um “milagre” acontecesse para impedir o título do vivíssimo belga Jacky Ickx, da Ferrari: uma inesperada vitória do novato Emerson Fittipaldi no GP dos EUA, em Watkins Glen. O jovem brasileiro recebeu de Colin Chapman a missão de ser o piloto número 1 da principal equipe da F1 e não decepcionou. Em 1972, em sua segunda temporada e com apenas 25 anos, Fittipaldi tornou o mais jovem campeão do mundo, com cinco vitórias e três pole positions em 12 provas.

O efeito da conquista de Emerson mudou o esporte brasileiro. O automobilismo passou a ser o segundo esporte mais popular do país e várias gerações de pilotos se formaram na esteira de Fittipaldi. Ele foi o precursor das 101 vitórias e dos oito títulos que o Brasil conquistou na Fórmula 1. Os títulos do piloto brasileiro vieram em 1972 e 1974. Emerson também foi vice-campeão no terceiro título de Jackie Stewart (1973) e no primeiro de Niki Lauda (1975). Stewart ganharia ainda o mundial de 1971 e Lauda triunfaria em 1977. Conquistas impressionantes, tragédias e histórias de superação pessoal transformariam Jackie e Niki em dois mitos, maiores do que Emerson.

Emerson Fittipaldi, com o Lotus 72E, e Jackie Stewart, com o Tyrrell 006, disputaram acirradamente as vitórias em 1972 e 1973, ambos com motor Ford-Cosworth V8

Assim como Colin Chapman, o inglês Ken Tyrrell era um garagista que foi tentar a sorte na Fórmula 1. Deu certo, com os títulos de 1971 e 1973. Desde a dobradinha vitoriosa entre a Lotus e a Cosworth, em 1967, o motor Ford V8 fabricado por Mike Costin e Keith Duckworth havia se tornado um padrão na Fórmula 1. Acessível e disponível para qualquer equipe que tivesse interesse, esse motor democratizou as vitórias e permitiu que novos construtores chegassem à categoria. Junto com Ken Tyrrell (1970) foram John Surtees e quatro ingleses que formariam a March (Max Mosley, Alan Rees, Graham Coaker e Robin Herd). Depois dele chegaram Lorde Hesketh (1974), Frank Williams (1975), Graham Hill (1975), o brasileiro Wilson Fittipaldi Junior, irmão de Emerson (1975), Guy Ligier (1976, mas com motor Matra até 1978) e Walter Wolf (1977).

Foi a “facilidade” de construir um carro podendo alugar um motor competitivo e o ambiente favorável para conseguir patrocínio que levou os irmãos Fittipaldi e criarem a equipe Copersucar Fittipaldi. A história mudou quando Emerson, ao final de 1975, trocou um carro extremamente competitivo, o McLaren M23, pelo novato Copersucar Fittipaldi. O público brasileiro, que não estava acostumado com as dificuldades técnicas do automobilismo e via Emerson como um herói, não aceitou os resultados distantes do primeiro lugar. Não vamos nos alongar muito nesse tema porque merece um capítulo à parte.

Somente a Ferrari, com seu poderoso motor V12, conseguiu interromper a sequência de vitórias dos motores Ford-Cosworth. Se a tragédia com Jochen Rindt colocou Emerson Fittipaldi no colo da Lotus, a morte do francês François Cevert foi um duro golpe para Ken Tyrrell em 1973. Naquela que seria a corrida de despedida de Stewart (novo recordista da F1 com 27 vitórias), a Tyrrell nem participou da prova. Cevert – um rápido piloto que estava pronto para ser um futuro campeão –, deixou um vazio na equipe que Jody Scheckter (campeão de 1979 com a Ferrari) e Patrick Depailler não conseguiram preencher naquele momento.

Antes da mudança, Emerson havia disputado quase todas as corridas com o Lotus 72 e o McLaren M23, dois carros vencedores. Niki Lauda tirou a Ferrari de uma fila de 11 anos sem títulos em 1975 com o Ferrari 312T. Criação do engenheiro italiano Mauro Forghieri, o Ferrari 312T conseguiu o que os rápidos modelos 312B, 312B2 e 312B3 não conseguiram: ser imbatível. De novo uma tragédia mudou a história. Lauda estava disparado na liderança do campeonato de 1976 quando sofreu um terrível acidente no GP da Alemanha, em Nurburgring, e quase morreu. Depois de entrar em coma e ficar com o rosto todo desfigurado, o piloto voltou a correr no GP da Itália, apenas 42 dias depois, numa demonstração de força inacreditável. Porém, no GP do Japão, no Fuji Speedway, Lauda preferiu não se arriscar na chuva forte e abandonou, permitindo o título do inglês “bon-vivant” James Hunt com o McLaren Ford que era de Emerson.

Emerson Fittipaldi, com o McLaren M23, e Niki Lauda, com o Ferrari 312B3, numa disputa de 1974, que manteve o Ford-Cosworth V8 em hegemonia. Nos três anos seguintes, Lauda brilharia com os Ferrari 312T e 312T2 com motor V12

Lauda estava vivo, porém morto para o esporte, diziam os críticos. Mas não. Niki Lauda foi campeão novamente em 1977 pela Ferrari e depois foi correr na Brabham Alfa Romeo, antes de se retirar. Foi ele que serviu de referência para outro brasileiro que seria campeão na década seguinte, Nelson Piquet. Os anos 70 ainda seriam marcados por outra ideia revolucionária de Colin Chapman: o carro-asa. Ao construir um carro com efeito-solo, uma solução aerodinâmica que tinha o efeito contrário de uma asa de avião, grudando o carro ao chão, Chapman deu ao ítalo-americano Mario Andretti e ao sueco Ronnie Peterson os rapidíssimos Lotus 78 e 79, campeões da temporada de 1978.

Com o “Lotus-asa”, Andretti conseguiu ser campeão aos 38 anos de idade. Mas no GP da Itália, oito anos depois da tragédia com Jochen Rindt, a Lotus perdeu também Ronnie Peterson, um dos pilotos mais queridos da história, por sua tocada rápida e espetacular. Emerson Fittipaldi, que estava no ostracismo desde 1976, finalmente conseguiu fazer uma boa temporada em 1978, conquistando um segundo lugar no GP do Brasil, em Jacarepaguá. Os irmãos Fittipaldi investiram tudo que tinham e contrataram para 1979 o projetista Ralph Bellamy, criador do Lotus 79. Pediram uma cópia do Lotus, porém amarelo. Bellamy, entretanto, entregou o Fittipaldi F6, um carro revolucionário, inspirado no avião supersônico Concorde, mas que não tinha um oceano para fazer curvas. Foi o início do fim da equipe Fittipaldi e a chance de Scheckter ser campeão pela Ferrari.

Os anos 1970 marcaram também a forte presença sul-americana na Fórmula 1. Além de Emerson Fittipaldi, o argentino Carlos Reutemann e o brasileiro José Carlos Pace ganharam corridas (a de Pace foi no Brasil, em 1975, pela Brabham) e mostraram que o legado de Juan Manuel Fangio e Emerson Fittipaldi estava vivo. Pace morreu em 1977 num acidente de avião, quando era apontado como favorito para o título. Reutemann trocou a Brabham pela Ferrari e continuou sendo rápido e vencedor, mas nunca foi campeão do mundo.

ANO PILOTO PAÍS EQUIPE CONSTRUTOR
1970 Jochen Rindt AUT Lotus Ford Cosworth Lotus Ford Cosworth
1971 Jackie Stewart ESC Tyrrell Ford Cosworth Tyrrell Ford Cosworth
1972 Emerson Fittipaldi BRA Lotus Ford Cosworth Lotus Ford Cosworth
1973 Jackie Stewart ESC Tyrrell Ford Cosworth Lotus Ford Cosworth
1974 Emerson Fittipaldi BRA McLaren Ford Cosworth McLaren Ford Cosworth
1975 Niki Lauda AUT Ferrari Ferrari
1976 James Hunt ING McLaren Ford Cosworth Ferrari
1977 Niki Lauda AUT Ferrari Ferrari
1978 Mario Andretti EUA Lotus Ford Cosworth Lotus Ford Cosworth
1979 Jody Scheckter AFS Ferrari Ferrari

Sergio Quintanilha é doutorando em Ciências da Comunicação na ECA-USP e escreve sobre automobilismo desde 1989 – twitter: @QuintaSergio