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Anos 80: década de ouro de Piquet e Prost

Por Sergio Quintanilha

Nelson Piquet e Alain Prost foram os pilotos que dominaram os anos 80 na Fórmula 1, ganhando 60% dos títulos e 38% das corridas. Mas a história dessa década começou a ser contada no finalzinho dos anos 70, mais exatamente na metade da temporada de 1979. Em sua 50ª corrida, a Williams conseguiu sua primeira pole position com o australiano Alan Jones e a primeira vitória com o suíço Clay Regazzoni, no GP da Inglaterra. Ali começou a mística do número 27, que ficou anos tendo seu uso revezado pelas equipes Williams, Ferrari e McLaren. A Ferrari foi campeã e vice, com o sul-africano Jody Scheckter e o canadense Gilles Villeneuve, mas a Williams ganhou cinco das últimas sete corridas.

A Williams chegou ao título de 1980, com Jones, mas teve muito trabalho. Um jovem brasileiro, Nelson Piquet, pilotando pela Brabham, começou a ganhar corridas e se intrometeu entre os pilotos da Williams (além de Jones, o argentino Carlos Reutemann). Piquet disputou a liderança do campeonato até a última corrida. Patrocinada por empresas da Arábia Saudita – como o hotel Albilad, a companhia aérea Saudia e o café Dallah –, a Williams nadava em petrodólares e terminou a década com 42 vitórias, três títulos de pilotos e quatro de construtores.

Curiosamente, o último título da Williams nos anos 80 foi conquistado exatamente com Nelson Piquet, em 1987. E da mesma forma que a Williams ganhou o último título dos motores aspirados naquela década, encerrando uma era, Piquet foi o primeiro campeão com motor turbo, iniciando outra. Os motores turbinados eram permitidos na Fórmula 1 desde 1966, mas somente em 1977 alguém levou a sério sua capacidade de vitórias. Foi a Renault. Os anos 80, portanto, começaram com uma mistura de carro-asa (efeito solo introduzido pela Lotus em 1977) e com o novo paradigma dos motores turboalimentados.

A Renault começou a ganhar corridas de forma consistente em 1980 e já em 1981 deu um carro para o francês Alain Prost, mantendo o nacionalismo da equipe. Mas a Ferrari aderiu ao turbo em 1981 e isso significava abrir mão de vitórias na primeira temporada. Foi isso também que tirou do páreo os campeões de 1981 (Piquet e a Brabham) na temporada de 1982. Como a Williams foi campeã em 1980, a partir de 1981 a Ferrari ficou com o número 27 (o 1 era do campeão).

O canadense Gilles Villeneuve mostrou que o 27 era sempre candidato ao título. Mas a Ferrari enfrentou duas tragédias em 1982: na 5ª etapa, em Zolder, Villeneuve se acidentou e morreu nos treinos do GP da Bélgica. A Ferrari seguiu competitiva com o francês Didier Pironi, que assumiu a liderança do Mundial no GP da Grã-Bretanha. Duas corridas depois, Pironi fez a pole-position no GP da Alemanha, mas se acidentou testando um pneu de chuva depois da classificação e sofreu múltiplas fraturas nas pernas. Nem largou, nunca mais correu na F1 e morreu em 1987 numa corrida de lanchas. Mesmo assim, a vitória foi da Ferrari, com o também francês Patrick Tambay. Mas não dava mais para buscar o título, que caiu no colo da Williams e do finlandês Keke Rosberg. Foi o último título do lendário motor Ford Cosworth na década.

Nelson Piquet foi o primeiro campeão da era turbo da Fórmula 1, conquistando seu bicampeonato em 1983 com o Brabham BMW

O primeiro título da era turbo ficou com Piquet, a Brabham e a BMW, em 1983, exatamente no ano em que começou a proibição dos carros-asa, por serem considerados muito perigosos. Na temporada seguinte, 1984, a McLaren tinha amadurecido sua parceria com a Porsche e deu a Niki Lauda seu terceiro título na F1. A dobradinha McLaren Porsche resultou ainda nos dois primeiros títulos de Prost, em 1985 e 1986. O motor, entretanto, sempre foi chamado de TAG-Porsche devido aos investimentos da empresa Techniques d’Avant Garde. A guerra dos motores comandava a Fórmula 1 como poucas vezes se vira, pois o domínio dos Ford-Cosworth aspirados virou fumaça.

Já em 1986 a Williams começou a colher o resultado de sua parceria com a Honda, iniciada na última corrida de 1983. A temporada de 1986 tinha tudo para marcar o tricampeonato de Piquet, mas Frank Williams se acidentou, ficou preso numa cadeira de rodas e a equipe passou a ser comandada por Patrick Head, que tinha preferência por um piloto compatriota, o inglês Nigel Mansell. Com Piquet e Mansell brigando entre si na Williams, Prost se tornou bicampeão na última corrida da temporada, o GP da Austrália – uma das provas mais espetaculares de todos os tempos, pois os três tinham chance de ser campeão e a cada momento da prova o título estava nas mãos de um deles.

Contra tudo e contra todos, Piquet finalmente chegou ao tricampeonato em 1987, colocando-se à frente de Prost e igualando o número de títulos de Niki Lauda, Jackie Stewart e Jack Brabham. Naquela altura, somente Fangio estava acima do piloto brasileiro. Desde 1984, entretanto, havia outro brasileiro dividindo a atenção da Fórmula 1: Ayrton Senna. Fez uma temporada de estreia magistral pela pequena equipe Toleman Hart (conquistando um histórico segundo lugar em Mônaco, sob chuva) e depois reviveu a mística do Lotus JPS preto e dourado (ex-Fittipaldi) nas temporadas de 1985 e 1986. Senna somava duas vitórias por ano e repetiu a dose em 1987 (Lotus Camel amarelo), mas só em 1988 ganhou um carro para brigar pelo título.

A batalha entre Prost e Senna com os rapidíssimos McLaren Honda começou em 1988 com motores turbo e seguiu em 1989 com a volta dos motores aspirados e a proibição dos turbo. O domínio da equipe foi tão grande nesses dois anos que conseguiu dar à McLaren mais vitórias do que a Williams. Foram 25 vitórias em 32 corridas! Um aproveitamento impressionante de 78%. Se a McLaren saltou de 31 para 56 vitórias na década, Senna somou 20 (empatando com Piquet) e Prost atingiu incríveis 39 vitórias. Senna foi campeão em 1988, Prost deu o troco em 1989, numa polêmica decisão em que os dois se chocaram, Senna voltou para a pista, recuperou a liderança e cruzou em 1º lugar, mas havia cortado uma parte da pista e, pelo regulamento, acabou sendo desclassificado.

Alain Prost quebrou o histórico recorde de vitórias de Jackie Stewart, chegando a 28 vitórias no GP de Portugal de 1987, com um McLaren TAG-Porsche

Prost finalmente entrou para o fechado clube dos tricampeões – ele que já havia quebrado o recorde de 27 vitórias de Stewart no GP de Portugal de 1987. Prost teve carros competitivos em 1981, 1983, 1984, 1985, 1986, 1988 e 1989 – aproveitou três das sete chances e foi três vezes vice (1983, 1984 e 1988). Piquet teve carros para ser campeão em 1980, 1981, 1983, 1986 e 1987 – aproveitou três das cinco chances e foi uma vez vice (1980). Senna teve carros para brigar pelo título em 1988 (foi campeão) e em 1989 (foi vice). Mansell teve carros para ser campeão em 1986 e 1987, conquistando dois vice-campeonatos. Os quatro pilotos conquistaram juntos 94 dos 156 grandes prêmios disputados nos anos 80, uma década marcada também pelos carros-asa, pelos motores turbo e pelas tragédias de Villeneuve e Pironi.

Finalmente, não se pode encerrar a história dos anos 80 na Fórmula 1 sem uma menção a outra rivalidade marcante para os brasileiros: Piquet versus Senna. A disputa entre eles era tão intensa que proporcionou aquela que foi considerada “a maior manobra da história da Fórmula 1” por Jackie Stewart: Piquet (Williams) sobre Senna (Lotus) no GP da Hungria de 1986, na luta pela vitória. Piquet ultrapassou por dentro e tomou um “xis”. Na volta seguinte, ameaçou por dentro, Senna fechou a porta, Piquet foi por fora e contornou a curva derrapando nas quatro rodas, fazendo um contra-esterço que não se via desde os anos 70 com Ronnie Peterson, mas empurrado por um motor de 900 cv de potência. Tricampeão, Piquet teria recebido um convite da McLaren para 1988, mas já estava cansado de brigar com Mansell dentro da equipe e não queria repetir a dose com Prost. Foi para a decadente Lotus e abriu espaço para o rival Senna – cheio de vigor – infernizar a vida de Prost.

ANO PILOTO PAÍS EQUIPE CONSTRUTOR
1980 Alan Jones AUS Williams Ford Cosworth Williams Ford Cosworth
1981 Nelson Piquet BRA Brabham Ford Cosworth Williams Ford Cosworth
1982 Keke Rosberg FIN Williams Ford Cosworth Ferrari
1983 Nelson Piquet BRA Brabham BMW Ferrari
1984 Niki Lauda AUT McLaren TAG Porsche McLaren TAG Porsche
1985 Alain Prost FRA McLaren TAG Porsche McLaren TAG Porsche
1986 Alain Prost FRA McLaren TAG Porsche Williams Honda
1987 Nelson Piquet BRA Williams Honda Williams Honda
1988 Ayrton Senna BRA McLaren Honda McLaren Honda
1989 Alain Prost FRA McLaren Honda McLaren Honda

Sergio Quintanilha é doutorando em Ciências da Comunicação na ECA-USP e escreve sobre automobilismo desde 1989 – twitter: @QuintaSergio