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Por que o jornalista esportivo deve olhar para a comunidade?

Por Gustavo Longo

Se 2020 fosse um ano normal, estaríamos acompanhando neste exato momento a realização da 84ª edição dos Jogos Abertos do Interior “Horácio Baby Barioni”, em Sorocaba. Programada para acontecer entre 9 e 20 de outubro, a competição poliesportiva foi cancelada devido à pandemia de Covid-19.

É apenas a segunda vez na história que o evento, criado em 1936, precisou ser cancelado. Antes, só em 1989 uma greve dos professores paulistas (até então a mais longa da história) impediu a utilização das escolas como alojamentos para os atletas. Agora, com a necessidade de evitar aglomerações, o Governo de São Paulo optou pelo cancelamento, uma vez que a disputa reúne cerca de 10 mil atletas todos os anos.

Diferentemente de sua inspiração mais famosa, os Jogos Olímpicos, o cancelamento dos Jogos Abertos do Interior mereceu pequenas notas nos principais meios de comunicação esportivos do país. Um ou outro jornalista aprofundou essa questão, como Demétrio Vecchioli, do UOL. É uma situação que escancara uma realidade amarga: o torneio perdeu o interesse que outrora tinha.

Não é difícil encontrar quem desdenha e refere-se ao evento como “brincadeira”, numa forma pejorativa devido à presença de modalidades como damas e xadrez e também pela participação de atletas completamente amadores ao lado de campeões olímpicos e mundiais. A baixa competitividade em algumas disputas afasta quem acredita que o esporte é apenas voltado apenas ao alto rendimento.

Já comentei sobre este paradoxo aqui e não chega a ser um problema, pois os Jogos Abertos foram criados justamente para serem assim. Baby Barioni não queria uma disputa restrita à elite interiorana. Ele queria uma grande festa em que todos pudessem participar e, assim, estimular a prática esportiva em seus municípios. O “aberto” no nome não é à toa.

Dessa forma, se a competição possui essa peculiaridade desde sua formação, talvez seja o momento propício para pensar que, então, o que deve ser alterado é a própria cobertura jornalística do evento. Em vez de focar apenas nos resultados e nas grandes estrelas que participam todos os anos, talvez o ideal seja voltar a atenção à comunidade, isto é, as histórias que envolvem as cidades que compõem os Jogos Abertos do Interior.

Na minha última coluna, comentei sobre a importância da reportagem em um cenário de pandemia e de suspensão e/ou cancelamento de eventos esportivos a partir de março. Meu orientador Luciano Maluly afirma que é hora do esporte se reencontrar consigo mesmo. Atrevo-me a ir além: é hora do jornalista esportivo se reencontrar com o jornalismo.

O momento pede que os profissionais dos meios de comunicação ampliem o escopo de sua atuação. Não dá para falar de resultados e desempenho no campo de jogo quando o esporte mundial está parado. A única alternativa viável, portanto, é olhar para “as ruas”, perceber as demandas que surgem da sociedade e compreender que o esporte é cultura, política, economia, enfim, faz parte de nossas vidas e reflete nossos anseios.

Falar do adiamento dos Jogos Olímpicos é importante, sem dúvida, mas com o alto número de mortes e infectados atingindo cidades grandes e pequenas, sem distinção, o momento pede atenção com o local. Na área esportiva, por exemplo, significa entender quais políticas os municípios, bairros e regiões em que o profissional trabalha são desenvolvidas pelas autoridades. Como garantir maior participação popular em atividades físicas e quais modalidades surgem como opção para representar a nível estadual, nacional e até internacional? Em suma: é preciso levar o olhar para a comunidade.

Um exemplo: em 2019, a equipe de vôlei de Iacanga, de 11 mil habitantes, conquistou a primeira medalha da história da cidade na história dos Jogos Abertos. Para minha surpresa, o técnica era o bauruense Max, considerado um dos melhores atletas de vôlei do país na década de 90 e personagem que entrevistei rotineiramente no período em que trabalhei em Bauru.

Papo vai e papo vem, descobri que tratava-se de um projeto social para ensinar vôlei aos jovens do município, mas que a pedido da própria cidade começou a crescer e dar frutos, com atletas se destacando e pedindo para participar de torneios da modalidade. Havia até a ideia de criar uma equipe para jogar a Superliga B, mas que a pandemia provavelmente interrompeu esse sonho.

É uma história que ficou perdida na cobertura jornalística dos Jogos Abertos de 2019 tanto da equipe de comunicação do Comitê Organizador quanto dos profissionais presentes na cidade, mas que poderia ser uma alternativa para recuperar um pouco do interesse do evento. Muito mais do que noticiar que uma cidade A venceu B num jogo válido por alguma modalidade.

Afinal, os Jogos Abertos do Interior são feitos pelos interioranos. É uma região que comporta alto rendimento, sim, mas também projetos sociais, histórias de superação, jovens promessas e cidades que não têm condições de inscrever seus atletas em competições nacionais.

A pandemia de Covid-19 fez os jornalistas redescobrirem a realidade social em que estão inseridos. As grandes histórias voltaram a ganhar força na práxis jornalística. Sendo assim, os jornalistas esportivos podem aproveitar este momento para compreenderem um pouco mais sobre suas raízes e afetos, colocando a própria comunidade em pauta na busca por bem estar e qualidade de vida, dois valores fundamentais do esporte.

Gustavo Longo é jornalista especializado em cobertura esportiva e Mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação na ECA/USP