OLIMPÍADA & CAIPIRA

Ainda existe espaço para o jornalismo no ‘jornalismo esportivo’?

Enquanto escrevia um texto sobre objetividade no esporte, duas demissões (ou encerramentos de contratos, como queiram) de locutores na Rede Globo chamaram a atenção de torcedores. Nomes históricos do jornalismo esportivo, Jota Júnior e Cléber Machado deixaram a emissora em que trabalharam as últimas décadas. A necessidade de renovação da equipe, corte de gastos e readequação do organograma de trabalho estão entre as justificativas levantadas pela mídia.

Entretanto, as saídas de dois locutores à moda antiga da líder de audiência também exemplificam um fenômeno cada vez mais crescente na cobertura esportiva brasileira: a perda de espaço do trabalho jornalístico em prol de conteúdos que apelam para o entretenimento e o humor nos relatos em transmissões ao vivo e nas notícias em programas e textos especializados.

A locução serena e tranquila de Jota Júnior, que conversa do mesmo jeito que narra (como escreveu Alex Sabino na Folha de S. Paulo), e o trabalho do Cléber Machado focado apenas no jogo não tinham mais espaço naquilo que hoje se entende como o caminho do jornalismo esportivo, com seus memes em redes sociais, interação a todo custo e excessivo uso de piadas e polêmicas vazias.

Será que é o fim do jornalismo no “jornalismo esportivo”?

Não, não é o ponto final dessa história – até porque o esporte precisa do jornalismo para chegar a mais lugares. Caso contrário, irá se fechar em nichos e perderá sua relevância para outras atividades. Contudo, se não é o fim, precisa ser o recomeço da práxis jornalística no campo esportivo.

Até porque o problema atual não é a presença do entretenimento. Em minha dissertação de mestrado, apontei que é a sombra constante do entretenimento dentro do esporte que faz a notícia esportiva ser diferente daquela produzida em outras editorias.

Isso explica, por exemplo, porque o jornalismo esportivo sempre teve que se equilibrar entre a diversão e a informação, o imaginário e o real. Se hoje convivemos com programas que usam em demasia a “linguagem mais humorada” e temos streamers transmitindo partidas, os mais antigos se lembrarão dos programas Balancê e Show de Rádio, que marcaram época no rádio por combinarem humor, jornalismo e futebol. A própria crônica, recurso utilizado desde os primórdios da imprensa esportiva no início do século 20, nada mais é do que “um relato poético do real”, como definiu José Marques de Melo.

Em suma: o relato de um acontecimento esportivo reflete questões reais da sociedade em que está inserida, mas também alegra e promove uma fuga (provisória) da realidade. Mas por que, então, está se tornando um problema para a qualidade do jornalismo esportivo no Brasil nos últimos anos?

Hoje, há um evidente desequilíbrio nesse jogo de forças que se tornou a construção da notícia esportiva. A linguagem e as técnicas inerentes ao entretenimento estão dominando as ações na estratégia jornalística desta área. As notícias produzidas repetem uma fórmula superficial, sem apresentar novas fontes, com especulações e boatos pinçados em redes sociais e um amontoado de dados que dizem pouco sobre determinada modalidade, atleta ou equipe. O clube passa a informação, o jornalismo esportivo a repercute e o torcedor que se vire para entender o que, de fato, está acontecendo.

Isso porque o foco e a dedicação dos veículos jornalísticos (e até de profissionais) estão em entreter os torcedores na busca de seu engajamento – e não de informa-los adequadamente. Para essa realidade, mais vale mil cliques na mão do que uma boa história voando perdida por aí. Assim, como a notícia é irrelevante ou não apresenta nada de útil aos torcedores, é evidente que eles irão preferir aquilo que, pelo menos, aparenta ser mais engraçado em seus pontos de vista.

A saída para o jornalismo recuperar sua relevância dentro do esporte é compreender que valores intrínsecos a esta ciência há várias décadas estão em mutação. Eugênio Bucci, em sua coluna no Estadão, foi certeiro ao comentar a necessidade do jornalismo “ir além da objetividade”. Ele escreve: “o texto jornalístico só é bom de verdade quando, além de narrar o acontecido, transpira pensamento. Só assim vai refletir o real e refletir sobre o real”.

Se levarmos isso para o esporte, não significa mais noticiar que alguém ganhou ou perdeu, quais jogadores estão machucados e, em cima disso, soltar frases declaratórias das respectivas fontes que funcionam como porta-vozes num texto ou narração carregados com piadas ou emoção. É necessário explicar o contexto, trazer fatos novos e, claro, envolver o torcedor para dentro da história ao mostrar – e elucidar – os vieses que estão em jogo naquela narrativa. A objetividade fria e simples precisa dar lugar à “intersubjetividade racional”, de conseguir enxergar além do acontecimento.

A tarefa não é fácil, evidentemente. A práxis jornalística fica mais difícil em um cenário em que o trabalho do jornalista é colocado em xeque a todo momento. Mas diante desse duplo papel que exerce no campo esportivo, esta é a melhor alternativa para recuperar o protagonismo e equilibrar esse jogo de forças com o entretenimento. Assim, todos podem sair ganhando no final das contas.

 * Gustavo Longo é jornalista especializado em esportes e mestre em Ciências da Comunicação no PPGOM – ECA/USP