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Gabriela Barbosa e o sonho olímpico

Aos 16 anos e campeã sul-americana, ginasta do Esporte Clube Pinheiros e da seleção brasileira conta sua rotina e projeta futuro nos tablados globais

* Maria Trombini, Osmar Neto e Ricardo Thomé

 

Nos últimos anos, o Brasil se acostumou a ver jovens talentos da ginástica ganhando o mundo, literalmente. Nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, a equipe feminina da seleção tinha nomes como Flávia Saraiva, de 16 anos, Lorraine dos Santos, também, de 16 anos, e Rebeca Andrade, de 17. Na edição seguinte, em Tóquio, Rebeca foi a responsável por trazer as primeiras medalhas olímpicas do país na história da ginástica artística feminina. Hoje, Gabi Barbosa é quem traz esperança por um futuro ainda mais brilhante.

Crescendo com a ginástica e pela ginástica

Gabriela Rodrigues Barbosa tem 16 anos recém completados, mas sua história na ginástica artística começou quando tinha cinco. Em conversa ao Blog, ela conta que o primeiro contato com a modalidade veio de forma inusitada: “Quando eu tinha cinco anos, meu pai viu no Instagram uma peneira que iria acontecer no Centro Olímpico [de Treinamento e Pesquisa Marechal Mário Ary Pires, em São Paulo] e falou ‘filha, quer ir lá ver se você gosta?’, porque eu era muito agitada. Aí eu fiz a peneira, gostei muito, passei e estou na ginástica até hoje”.

Para Gabi, começar cedo foi positivo para o aprendizado e para criar disciplina. “Desde pequenininha eu estou aqui, então minha vida inteira é a ginástica.” Esse pensamento também se aplica às outras áreas de sua vida, já que desde criança ela precisou abdicar de certas vivências sociais e acadêmicas em prol do esporte: Nós treinamos todos os dias da semana, menos domingo. De segunda a sexta são dois períodos e aos sábados só treinamos de manhã. Quando sobra um tempinho para sair, não dá vontade porque nós queremos descansar”, complementa.

A rotina intensa da atleta inclui, também, a escola. Segundo ela, os horários de treino e o calendário de competições a fizeram trocar de escola e de turno várias vezes, o que exige conversas com as coordenações escolares e já a fez perder algumas amizades. “Antes de começar a estudar de noite, eu tomava banho antes da aula, chegava em casa por volta da meia noite e capotava. Eu estudo aqui (próximo ao Esporte Clube Pinheiros) e moro no Jabaquara”. O trajeto diário é feito de transporte público.

Gabriela está no 1º ano do Ensino Médio e, até o momento da entrevista, não tinha certeza se havia passado de ano. “Eu acho que eu passei para o 2º ano, tenho que ir lá ver (risos)”. Apesar disso, ela conta que seus pais entendem a prioridade pela ginástica e não são tão exigentes quanto aos estudos.

Profissional e internacional

Atleta do Esporte Clube Pinheiros há pouco mais de um ano, Gabi iniciou sua carreira profissional neste ano — e em grande estilo. Pela seleção brasileira, sagrou-se campeã sul-americana tanto no individual geral, como na disputa por equipes, além de outras boas campanhas. Para ela, o Sul-americano representa a “virada de chave” para a categoria sênior do esporte: “Foi a primeira competição internacional que eu disputei no profissional, fiquei bem emocionada. É bem gratificante estar lá em cima do pódio, tocando o hino…”.

A trajetória de Gabi na seleção brasileira de ginástica artística, porém, é mais longeva. Convocada pela primeira vez em 2019, ela descreve o momento como um “sonho” e explica que, uma vez na seleção, as atletas passam por um período de treinos no centro de treinamento, que fica no Rio de Janeiro, a partir do qual se definem as atletas que serão inscritas para determinada competição.

Na seleção, a ginasta tem a oportunidade de performar nos mesmos tablados onde suas principais inspirações atuam há tanto tempo. “Me inspiro nas meninas todas da seleção. A Rebeca [Andrade], a Flávia [Saraiva], a Jade [Barbosa], a Lorrane [dos Santos]. E a Simone Biles, é claro”.

Nesse contexto, é quase impossível não ter nos Jogos Olímpicos um objetivo a se alcançar, mas Gabi entende que existe um processo até concretizá-lo: “Acho que o maior sonho de todo mundo é ir para as Olimpíadas. Mas antes, eu queria conquistar um Mundial, um Pan-Americano. Preciso ir para o mundial, ter bons resultados nacionais, treinar bem na seleção…mas tudo depende da convocação também. É difícil, mas é um sonho”.

Gabi Barbosa treina em dois períodos e aos sábados no Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo, para se consolidar como mais  um grande nome na vitoriosa seleção brasileira de ginástica artística [Foto: Maria Trombini]
Batendo na trave

O início de carreira de Gabi Barbosa é animador, mas não é isento de frustrações. “Já aconteceu [de não ter o resultado esperado mesmo depois de muito esforço]. A gente treina lá e eles [coordenação da seleção] decidem quem vai. Às vezes a gente alcança bons resultados e mesmo assim acaba não sendo chamada”, conta.

Outro momento difícil de Gabi na ginástica foi o de uma lesão: ainda pequena, ela sofreu uma espondilolistese (condição que afeta a coluna vertebral). “Tive que ficar um tempo sem treinar e isso desanima, porque você vê as meninas evoluindo, enquanto você está parada”, explica.

Mas as decepções não se limitam aos tablados: fatores da vida pessoal de um atleta podem influenciar seu desempenho e seu estímulo a permanecer no esporte. Para Gabi, o fator em questão foi a separação de seus pais, quando ela ainda era criança. “Foi uma época muito difícil para mim. Eu falava para a minha treinadora, a Beatriz [Fragoso], que eu não queria mais treinar, mas sem contar o que tinha acontecido. Aí ela chamou minha mãe e entendeu o que estava acontecendo. Eles conversaram comigo, todo mundo entendeu e deu tudo certo”, relembra.

Pressão?

O cuidado com a saúde mental e com a influência de questões externas se faz ainda mais necessário quando se é uma grande promessa do esporte. Gabi tem noção da expectativa colocada sobre ela e diz que tem aprendido a lidar com isso desde criança: “A gente tem psicóloga aqui. É muita pressão, mas a gente aguenta. Eu sou muito competitiva. Já vão colocando isso na nossa cabeça desde pequenas, aí não tem como não se cobrar. É bem difícil”.

Apesar disso, Gabi gosta da ideia de ser reconhecida e de se tornar popular, e conta que, em competições fora do Brasil, já foi parada por fãs: “A experiência de sair e de o pessoal querer foto e autógrafo é bem legal”.

Ela confessa que nem sempre é possível se manter motivada e que, por vezes, é a disciplina que a faz ir treinar mesmo diante de uma frustração ou do cansaço. “Tem dia que é difícil, a gente só fala ‘não quero, hoje não dá’”, afirma.

E é justamente a vivência de atleta que faz com que as principais amizades da ginasta sejam, também, da ginástica. “Meus melhores amigos são da ginástica. A gente viaja com eles, passa o dia inteiro juntos. Quem vive as coisas que a gente vive sabe como é”, explica.

Futuro a longo prazo

Para os próximos anos, os objetivos estão bem claros. Mas Gabi tem consciência de que a carreira de uma ginasta é curta e da importância de planejá-la da melhor forma. Por esse motivo, já tem em vista o objetivo de fazer uma faculdade de Educação Física e de se tornar técnica quando se aposentar dos tablados.

Antes disso, porém, ela visa a melhorar algumas de suas habilidades como atleta, priorizando aqueles aparelhos aos quais já é melhor adaptada. “Meus favoritos são a trave e as [barras] paralelas, acho que são os que eu tenho mais facilidade em fazer. No solo e no salto, eu já treinei muitos exercícios e alguns não saíram. Tenho mais dificuldade porque não sou tão explosiva”, analisa.

Inspiração

Apesar de ter apenas 16 anos, Gabi já é mais velha do que muitas das meninas que treinam com ela, e admite se colocar como alguém disposta a ajudá-las em algumas situações. “Eu sou chata. Quando eu vejo que elas estão ‘roubando’ no exercício eu encho elas, vou lá e falo, mas é para ajudar. Eu tento conversar bastante, mas elas estão entrando na adolescência agora, aí é mais difícil de lidar (risos)”

Ela também relata que as atletas mais velhas a ajudaram muito ao longo do processo, e que treinar no mesmo ginásio onde nomes como Arthur Nory, Patrick Sampaio e Diogo Soares treinam também serve de inspiração.

Bate-pronto

Ao final da entrevista, a equipe de reportagem do Blog fez uma brincadeira com Gabi Barbosa, na qual ela tinha que responder algumas perguntas com rapidez. Abaixo estão as respostas da campeã sul-americana:

Aparelho: Barras paralelas.

Sonho: Olimpíadas.

Seleção para mim é: pressão.

Pinheiros é: casa.

Outro esporte: vôlei.

Lazer representa: descansar aos domingos.

Uma mensagem para os (mais) jovens: Se esforçar muito, não desistir e seguir seus sonhos.

 

FOTO DA CAPA: Reprodução/Instagram @gabii_barbosa.07]

 

* Maria Trombini, Osmar Neto e Ricardo Thomé são estudantes da disciplina Jornalismo Esportivo: a pauta além do futebol