Freak Show: Parque das Aberrações

Dando uma esticada em Itararé fico sabendo  que o Parque das Aberrações está na cidade, aberto ao público. Pego meu amigo Henry e para lá nos dirigimos.

Misto de circo, zoológico e exposição macabra, o parque cobra caro pelo ingresso: 50 reais. Fico imaginando se valerá a pena. Vamos direto ao que estávamos aflitos para ver, o que a cidade toda comentava: a tenda de Rolando, o Hermafrodita. Entramos, por mais 20 reais cada um numa espécie de container iluminado, só 15 pessoas por vez.

Atrás de grades de isopor que imitam ferro, uma cama de casal vazia. Expectativa. Começa a tocar o “Tema de Lara” e nada. De repente as luzes piscam e Rolando entra só de cueca vermelha e deita no leito. Focos de luzes fortes incidem sobre ele: homenzarrão peludo de barba, tatuado, careca e bandana na testa, barrigudo, mais parece um Hell Angel de meia idade. A pequena câmara de expectadores vibra em suspense quando Rolando acena para o diminuto público. Não tem menor de idade lá dentro, já que o acesso deles foi proibido. O tema de Lara acaba e começa a música do Titanic, só tocada. Deitado, Rolando tira a cueca, as luzes caem e os holofotes incidem brutalmente sobre sua genitália exposta. Gritinhos de horror, risadinhas abafadas, arquejos e suspiros de espanto na plateia: não há dúvida, Rolando é mesmo macho-fêmea, com os dois sexos bem definidos: um pênis atrofiado e o outro, aquele que começa com v, bem mais volumoso. Rolando aponta um dedo para ambos, mira a plateia e gargalha alto, coincidindo com o clímax do tema de Titanic. Perfeito.

Acaba o Titanic e entra Gretchen cantando “Conga Conga Conga”. Rolando, sorrindo para o público fica de frango assado e a luz muda seu foco, inundando e exibindo toda a anatomia do hermafrodita em detalhes. Uma senhora grita na plateia, horrorizada com a deformidade genética. Dois rapazes riem alto, risinho amarelo, meio nervoso. Rolando grita, gira, abre as pernas, se ajoelha e fica de quatro, expondo sua dupla sexualidade ao mundo. Quando ele pisca um olho e mostra com um dedo o sexo duplicado a voz de Gretchen fica mais alta, escorrega, arranha e some. Fim do conga conga conga. As luzes da jaula de Rolando se apagam. Tudo escuro. Acabou. As pessoas, comentando, começam a levantar para sair.

Nova multidão aguarda lá fora. A fila é atordoante. O “show” não durou nem dez minutos. Calculo quanto o parque deve faturar com todas as outras atrações. Me interesso em ver A Avestruz de Três Pescoços (viva e berrando) e O Veado com a Galhada no Rabo (empalhado e fake). Apesar da insistência de Henry, me recuso a entrar na tenda do Gato de Nove Caudas, Bezerro com Seis Patas, Camelo com as Corcovas na Barriga e Elefante com Três Trombas (dez reais cada). Vamos então para a Tenda dos Fetos Monstruosos (trinta reais o ingresso). Grossos vidros de formol com formas enevoadas boiando dentro se enfileiram, um após o outro, fetos abortados em diferentes estágios de formação. Chego perto. Um deles, com um olhinho azul arregalado e uma órbita vazada me encara, pedindo socorro. Duas gêmeas, unidas pelo ventre flutuam no formol, numa dança macabra eterna. A pele de ambas, há muito morta, solta flocos farelentos que dançam no líquido como folhas secas ao vento. Um feto num aquário enorme me chama a atenção: a placa diz que é Chico, a Criança-Macaco, encontrada no Tocantins e gerada por um macaco prego que copulou com uma cabocla ribeirinha. Chico tem a boca arreganhada, dentes podres e um toco de rabinho. Seus cabelos pretos e grossos balançam feito algas. Encosto a cara no vidro para ver melhor e Chico pisca para mim. Não é que o monstrinho está vivo?

Eu e Henry procuramos por Monga, a Mulher-Gorila mas não tem essa atração. Pena. Adoro Monga, de quem já contei a história antes. Está ficando tarde e o Parque das Aberrações se esvazia. Gostaria de visitar o Museu de Cera, mas não vai dar tempo. Ouvi dizer que tem as estátuas de Bolsonaro e seus quatro filhos, imortalizados na cera como homenzinhos pré-históricos da Idade da Pedra em volta da fogueira. Gostaria de ver, mas fica para outro dia.

Na saída, a última atração atrai alguns poucos gatos-pingados: Leonardo, o Gay que Virou Homem e agora é Cléo (?) Apesar de não entender ou me interessar nem um pouco, penso comigo: isso sim que é uma verdadeira aberração!

* Carlinhos Barreiros é professor e escritor.