ISSN 2359-5191

21/09/2009 - Ano: 42 - Edição Nº: 59 - Sociedade - Escola de Comunicações e Artes
Música e literatura francesa nas vanguardas brasileiras do início do século XX

São Paulo (AUN - USP) - Os 500 anos da presença francesa no Brasil propiciaram um rico intercâmbio de influências na produção artística de ambos os países. O modo como essa relação ocorreu no início do século passado foi debatido pelos professores Carlos Augusto Calil, do Centro de Cinema, Rádio e TV da ECA (Escola de Comunicações e Artes – USP) e por e Manoel Correia do Lago, da Unirio (Universidade do XXXX). O debate tratou das “Vanguardas do Século XX” e realizou-se com a mediação de Maria Luiza Atik do Nubrefat (Núcleo de Pesquisa Brasil-França), no Centro Universitário Maria Antonia, da USP.

Calil começou sua abordagem classificando em dois tipos os artistas franceses que vieram para o Brasil: os transitivos e os intransitivos. A primeira denominação se refere àqueles artistas que tiveram um contato mais aberto com a cultura brasileira e que permitiram que ela penetrasse de alguma maneira em suas obras. Ele citou como exemplo desta categoria, artistas como Pierre Verger e Sandras. Já a segunda classificação foi empregada para designar justamente o contrário. Artistas que se encaixam nesta classificação, como Pérrait e Levi Strauss, mantiveram-se fechados para o intercâmbio com a cultura brasileira e não incorporam nenhum traço ou influência desta em sua produção artística.

A partir desta distinção, Calil abordou como exemplo a trajetória de um artista transitivo, o escritor e cineasta Buaise Cendras, de um artista intransitivo, o poeta Benjamin Péret. Contando o tipo de relação que cada um estabeleceu com o Brasil, Calil fez um panorama de como esse intercâmbio cultural era realizado – e incentivado – no início do século.

Para a cultura brasileira, as primeiras duas décadas do século XX foram importantíssimas: o movimento modernista tentava firmar-se e precisava de um certo reconhecimento externo para isso. Cendras, trazido ao país por seu amigo Oswald de Andrade, chega aqui como grande personalidade literária, uma pessoa capaz de legitimar o Modernismo - ainda que ele não tivesse idéia de que era essa a intenção de Oswald ao traze-lo. A presença de Cendras, no entanto, fez mais do que trazer esse reconhecimento: foi ele quem descobriu a obra de Aleijadinho, situando-o como o maior artista barroco das Américas. Foi graças a isso que na época surgiram algumas associações nacionais de proteção ao patrimônio histórico, para conservar essas obras. Além disso, Cendras também foi um dos responsáveis pelo reconhecimento do samba e de toda produção artística negra como uma das mais importantes formas de cultura.

Esses exemplos ilustram como a presença estrangeira no Brasil foi muito importante em determinados momentos para que a própria arte brasileira pudesse ser descoberta e devidamente valorizada. Esse período de convivência entre Cendras e nossa cultura também trouxe profundas mudanças à sua obra. Após sua estadia no Brasil, quando ele retorna à França totalmente extasiado por nosso país, que ele escreve sua obra mais importante: “L’Or”.

Por outro lado, Péret, poeta surrealista apontado por Calil como artista intransitivo, não incorpora traços de Brasil em sua obra, pois não se abre à qualquer influência. Apesar de envolver com a cultura negra e a umbanda, escrevendo alguns artigos para um jornal do Rio de Janeiro, nada disso influencia a sua poética. Pelo contrário, ele apenas demonstrava perturbação frente a toda essa mistificação brasileira.

Esse aspecto exótico e místico que compõe ainda hoje o imaginário sobre o Brasil foi de extrema influência na visão que os dois artistas levaram de nosso país. Mesmo que tenham assumido posturas muito diferentes, tanto Cendras como Péret voltam à França com a imagem do Brasil como espécie de utopia. Definindo nas palavras do próprio Cendras: “No Rio foi onde eu aprendi a desafiar a lógica. Viver é um ato mágico”.

Em seguida, o professor Manoel segue a mesma linha de Calil e recorre a outro par de artistas, um transitivo e outro intransitivo para ilustrar a troca de influências interculturais. Ambos os artistas escolhidos eram músicos, Darius Milhaud, o transitivo, e Paul Claudel, o intransitivo. Sobre esse último pouco foi dito, já que, como intransitivo, praticamente não houve intercâmbio entre sua obra e a cultura brasileira, por isso sua passagem por aqui pouco representou. Mas para Milhaud, a história foi outra.

Ele veio ao Brasil e definitivamente se envolveu com a produção musical daqui: compôs, organizou concertos e tocou com músicos locais – sobretudo a família Veloso Guerra, que ele queria a todo custo levar à França depois de seu retorno. Ao chegar em terras tupiniquins, ele próprio ficou impressionado da atualização da música brasileira com a produção européia. Escreveu durante sua passagem por aqui uma resenha a respeito da influência francesa sobre a cultura brasileira, como agente deformador da produção nacional, o que gerou inúmeras críticas à sua pessoa.

Milhaud, como Cendras, incorporou uma certa brasilidade em sua obra, ainda que o Brasil apareça mais como uma reminiscência do que como uma inovação em sua produção artística. Além disso, Milhaud também valorizava muito a natureza brasileira e deixou diversos relatos apaixonados sobre a Mata Atlântica.

Esses colóquios sobre a relação cultural entre o Brasil e a França acontecem uma vez por mês no Centro Universitário Maria Antonia. Para mais informações: www.usp.br/mariantonia. Além disso, há diversos outros eventos em todas as partes do país para celebrar “Ano da França no Brasil. Para saber mais: www.anodafrancanobrasil.cultura.gov.br.

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