ISSN 2359-5191

26/01/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 1 - Sociedade - Instituto de Psicologia
Compreensão da identidade latino-americana precisa partir de diversos abordagens
Para dar luz ao processo de formação cultural da América é preciso resgatar história não-oficial, conclui pesquisa
Fonte: site Lalatina

Discorrer sobre a identidade latino-americana é, sem dúvida, uma empreitada ousada. Os países que integram a América Latina são dotados de grande diversidade cultural, o que não permite uma abordagem única ou conclusões definitivas sobre a questão. Rever o processo histórico que deu origem à concepção de identidade que temos hoje é determinante, pois ela não é algo acabado e imutável. Pelo contrário, se forma a partir de vários fatores que mudam com o decorrer do tempo. Esses são alguns dos resultados da pesquisa de mestrado As múltiplas narrativas na constituição da identidade latino americana, desenvolvida por Sandro Aparecido Mazzio, no Instituto de Psicologia (IP) da USP.

O trabalho não busca delimitar uma caracterização psicológica sobre o latino-americano, a intenção é investigar dentro da produção cultural se existe algum projeto ou elemento que possa ser chamado de identidade latino-americana. “Procuro rever esse assunto sob uma ótica crítica, pois ele parte, em muitas circunstâncias, de uma visão europeia e possui forte viés religioso cristão. A ideia é promover um debate, mas deixando de lado todos os modelos pré-definidos” explica o pesquisador.

A tese teve como orientação principal a trilogia Memória do Fogo, do escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano. A obra traça um painel da história latina nos últimos quinhentos anos, resgatando vozes e narrativas que ficaram camufladas na versão oficial dos fatos. Mazzio conta que se valeu da literatura em sua pesquisa, porque os primeiros escritores, além de criarem uma nova literatura, também tinham a tarefa de conceber essa identidade - destruída outrora após a colonização europeia. “A nossa identidade cultural está muito ligada à questão literária, por isso busco nela a marca da multiplicidade”, afirma.

Trilogia "Memória do Fogo", do escritor uruguaio Eduardo Galeano 

Houve também grande preocupação em trazer à tona personagens esquecidos e suprimidos ao longo do tempo. O psicólogo lembra que quando falamos sobre os libertadores da América, os nomes que surgem são sempre os mesmos, Simón Bolívar, José de San Martín e outras figuras famosas. No entanto, houve diversos grupos de nativos que igualmente resistiram à colonização. “A intenção é resgatar esses episódios”, garante. A pesquisa também visou recuperar a importância da mulher nesse processo, dado que, segundo Mazzio, a memória latina é sempre falada no masculino e a questão de gênero é deixada de lado.

Um dos recursos usados foi traçar um paralelo entre o livro Memória do Fogo e o poema épico “Odisseia”. No enredo, o herói da Guerra de Troia demora dez anos para retornar à sua cidade natal, Ítaca, e no caminho passa por diversos lugares e conhece uma série de costumes. Assim como Ulísses, Galeano também fez diversas viagens, mas pela América. “Construo correlações entre as duas histórias, só que ao invés de ter o Ulísses como protagonista, a narrativa gira em torno da América e de como ela é construída” esclarece o pesquisador.

A psicologia e visões externas 

De acordo com Sandro Mazzio, a ideia cercada de estereótipos que países de outros continentes têm em relação à América Latina e que, muitas vezes, reflete dentro da própria América, está atrelada ao processo de colonização. “Nós temos o costume de até hoje olhar para os nossos problemas e pensar que na Europa não seria assim. Imaginamos que todas as coisas lá são perfeitas. Isso mostra que permanece a visão do outro sobre o nós”, pontua. “Essa maneira de ver o latino-americano como menos faz parte do processo de formação da Europa e da centralidade que ela acaba constituindo depois das Grandes Navegações e do Movimento Iluminista” completa Mazzio.

Para ele, o olhar externo sobre a identidade latino-americana é tão forte que nós ainda não conseguimos construir o nosso. Nesse ponto, coloca uma citação antiga de Sérgio Buarque de Holanda: “Ainda resiste àquela visão sobre os extremos, ou todas as coisas são tidas como maravilhosas e perfeitas ou encaradas de forma antagônica e são menosprezadas”.

Segundo Sandro, seria muito importante que a psicologia se debruçasse mais sobre esse assunto, mas sem o intuito de tentar chegar a uma característica e caráter comum para o latino-americano. Isso seria impossível e qualquer tentativa chegaria em um resultado estereotipado. “A relação com a psicologia é muito clara, pois a própria questão da identidade já é algo que cabe à psicologia social. Por isso, precisamos investir no assunto”. Além disso, o psicólogo diz que por conta da aproximação política e econômica que se acentuou nos últimos anos, a psicologia também tem se estreitado.

Entretanto, falar sobre psicologia latino-americana sem ter claro o conceito de identidade é algo problemático para o pesquisador. “Falar sobre psicologia é difícil quando ainda falta muito para chegarmos em um projeto real de inclusão”. Por essa razão, sustenta a importância de analisarmos o quadro a partir de um processo histórico que una as perspectivas e heranças de todos os grupos e momentos que o marcaram.


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