ISSN 2359-5191

10/05/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 54 - Saúde - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia
Estudo realiza sequenciamento genético para entender adaptabilidade hospedeira da tuberculose
Considerada a segunda maior causa de mortalidade por agentes infecciosos, doença mantém Brasil na lista dos países que, juntos, representam 80% do número de casos mundiais
Pesquisador com traje especial durante experimentação no Laboratório NB3 do ICB-USP. / Imagem: Departamento de Microbiologia ICB-USP

Considerada a maior causa de mortalidade por agentes infecciosos depois do HIV, a tuberculose provoca, anualmente, mais de duas milhões de mortes ao redor mundo. O que pouca gente sabe é que essa doença também afeta a população bovina e que, embora os patógenos responsáveis por esses óbitos sejam espécies diferentes, esses microrganismos fazem parte de um mesmo complexo bacteriano e podem ser transmitidos de animais para humanos (e vice-versa). Por conta disso, o mesmo patógeno que afeta a população animal chega a atingir até 2% dos casos da doença em humanos.

Ainda em desenvolvimento, um estudo realizado pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP tem buscado identificar regiões genômicas que possam estar relacionadas à capacidade dessas bactérias em disseminar ou se estabelecer em diferentes populações humana e animal. “Devido às suas grandes similaridades genéticas, as bactérias causadoras da tuberculose são ótimos exemplos para o estudo da adaptabilidade bacteriana aos hospedeiros e da interface patógeno-hospedeiro”, conta Ana Marcia de Sá Guimarães, pós-doutoranda responsável pelo projeto e professora de Bacteriologia Médica no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. “Por essa semelhança entre os genomas, pequenas mudanças no DNA podem ser responsáveis por grandes saltos de adaptabilidade ao hospedeiro”, afirma ao exemplificar que a tuberculose bovina comporta-se de forma diferente em termos de transmissibilidade e virulência, dependendo da espécie hospedeira acometida. “Isso é intrigante".

A espécie de bactéria mais comum entre os 9 milhões de casos anuais é a Mycobacterium tuberculosis, considerando sua alta taxa de adaptabilidade e transmissão. Apesar de não ser tão recorrente em humanos, a Mycobacterium bovis, espécie que infecta bovinos, apresenta uma prevalência estimada de 1,3% no rebanho bovino nacional, e pode atingir também outras espécies de animais selvagens.

“Essa prevalência em rebanhos comerciais é considerada baixa, sendo que o controle veterinário e a pasteurização do leite constituem as principais barreiras à transmissão do patógeno bovino ao homem”, explica. Ainda que, até o momento, não existam evidências de um reservatório selvagem que possa transmitir a bactéria para rebanhos bovinos no Brasil, a constante vigilância epidemiológica é de primordial importância.

De acordo com o relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em outubro do ano passado, o Brasil passou a ocupar o 18º lugar no ranking mundial dos 22 países de maior prevalência e incidência de tuberculose humana. O país, apesar de ter caído duas posições no ranking (até 2014, o Brasil ocupava a 16ª colocação), reporta, anualmente, cerca de 8 mil casos e 4 mil mortes por tuberculose.

“A tuberculose bovina é controlada pelo Programa Nacional de Controle e Erradicação da Tuberculose Bovina e Bubalina, mas ainda é presente em nosso país. Casos de tuberculose, tanto por M. bovis, quanto por M. tuberculosis, são também reportados em alguns zoológicos do Brasil”, informa Ana Marcia. "Infelizmente, devido ao seu caráter crônico e à escassez de testes diagnósticos para diferentes espécies animais, a tuberculose em animais selvagens de cativeiro é de difícil controle", característica essa que reforça a importância de pesquisas relacionadas à zoonose em âmbito nacional.

Sobre os dados de prevalência da infecção, Ana informa que em breve será divulgada uma outra pesquisa também realizada pela FMVZ, em parceria com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

“A doença é prevalente mundialmente e nem todos os países possuem programas de controle e erradicação da tuberculose bovina como o nosso, especialmente países da África e Ásia. O que impede realmente a transmissão da tuberculose bovina para humanos nesses lugares é a pasteurização do leite – isso quando presente”.

Vale lembrar que a literatura veterinária descreve duas formas da infecção pela bactéria da tuberculose, sendo uma latente e a outra clínica. “Na forma latente os animais não aparentam estar doentes e não possuem sinais clínicos da infecção. Porém, por motivos ainda não completamente elucidados, alguns animais desenvolvem uma forma clínica da doença, que pode se manifestar de maneiras diversas dependendo do órgão afetado”, diz a pesquisadora.

De maneira geral, ela afirma que a doença clínica pode se apresentar na forma pulmonar, caracterizada por sinais clínicos respiratórios, ou em uma forma alimentar, com sinais clínicos gastro-intestinais, ou, ainda, de forma disseminada. “Normalmente, os primeiros sinais clínicos observados em fazendas de leite são a queda abrupta na produção de leite e emagrecimento".

Em humanos, a doença causada por Mycobacterium tuberculosis também possui uma forma latente e outra clínica. Estima-se que ⅓ da população mundial esteja infectada pela bactéria, mas apenas um pequeno número desenvolve a doença clínica. Quando manifestada em indivíduos imunocompetentes, ela é majoritariamente pulmonar.

Manipulação das micobactérias

Ana Marcia de Sá Guimarães entende seu trabalho como um gerador de hipóteses. “Com ele, espero identificar genes bacterianos que possam ser explorados em mutantes dessas micobactérias e em outros procedimentos de infecção experimental".

Para a realização das análises em laboratório, os macrófagos humanos de linhagem celular são inoculados com Mycobacterium tuberculosis e Mycobacterium bovis separadamente. Ao longo do tempo, o processo consiste nos acompanhamentos dessas infecções em termos de resposta imune do macrófago – liberação de citocinas, morte celular –, crescimento bacteriano e transcrição de genes. “Para observar a transcrição de genes nas diferentes fases da infecção, utilizamos uma técnica chamada de sequenciamento de nova geração. Através dela, conseguimos ver a expressão global de genes da bactéria e do hospedeiro nas diferentes fases da infecção no macrófago”, afirma.

 tuberculose

Colônias de Mycobacterium bovis em meio de cultura Stonebrink. / Imagem: Antônio Francisco de Souza Filho, aluno de doutorado FMVZ-USP. 

Como a M. tuberculosis e M. bovis possuem praticamente os mesmos genes, “só que com mutações pontuais ou algumas deleções”, o método permite aos pesquisadores envolvidos identificar genes em expressão diferencial de uma espécie para outra, além de ver como a célula humana responde às diferentes espécies bacterianas.

“Um desafio pessoal foi começar a trabalhar com um microrganismo que necessita de laboratório de biossegurança de Nível 3 (NB3). Anteriormente a esse estudo, não trabalhava com micobactérias, então passei por uma curva de aprendizado incrível. Isso tudo graças ao auxílio e disponibilidade do grupo de pesquisa responsável pelo NB3 onde trabalho, no Departamento de Microbiologia do ICB da USP, e do grupo do Laboratório de Zoonoses Bacterianas da FMVZ”, conta Guimarães. Para ela, sua pesquisa é um exemplo de multidisciplinaridade e de conexão entre as diferentes faculdades ou institutos da Universidade. “Afinal, ninguém faz pesquisa sozinho”, destaca.

NB3 ICB USP

Infográfico do Laboratório de Segurança Máxima NB3. / Imagem: Departamento de Microbiologia ICB-USP

Com a conclusão da pesquisa, Ana Marcia espera dar os primeiros passos para entender a adaptabilidade bacteriana ao hospedeiro. Em seguida, seu foco serão os genes alvos para que haja o possível desenvolvimento de ensaios de patogenicidade “e quem sabe vacinas ou intervenções terapêuticas para o homem ou animais!”.

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