ISSN 2359-5191

04/08/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 96 - Sociedade - Escola de Comunicações e Artes
Política externa do governo Lula buscou a valorização da autoestima brasileira
Na tentativa de combater o complexo de vira-lata, a diplomacia brasileira procurou valorizar aspectos da identidade nacional
A formação dos Brics é um exemplo da tentativa do Brasil se projetar para o mundo sem a dependência dos países ricos (Imagem: José Cruz/Agência Brasil)

Os oito anos do governo Lula foram marcados por uma estratégia de projetar o Brasil para o mundo por meio da política externa. Este fato é analisado por Gustavo Carbonaro em sua dissertação de mestrado pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA/USP). O trabalho procura investigar como a política externa brasileira interferiu na identidade nacional do país.

O pesquisador observou primeiro como se constrói a narrativa de um país para depois mostrar como isso se manifesta na realidade brasileira. Para isso, foram analisados 24 discursos diplomáticos feitos durante o governo Lula. “Nessa leitura, procurei identificar índices que estariam relacionados à identidade nacional que me dissessem o que, no discurso diplomático, estaria conectado a isso no sentido de construção e reforço do mito nacional”, explica Carbonaro.

Foram selecionados três discursos em cada ano do governo. Um deles é a fala de abertura da Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em que o ex-presidente da República expôs suas estratégias de política externa aos principais líderes mundiais e realizou o balanço daquilo que tinha sido feito e a projeção do que ainda seria realizado.

Ex-presidente Lula discursando na abertura da 63ª Assembleia-Geral da ONU. Neste momento, o país fala de suas estratégias de política externa ao mundo (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)

Ex-presidente Lula discursando na abertura da 63ª Assembleia-Geral da ONU. Neste momento, o país fala de suas estratégias de política externa ao mundo (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)

Os outros dois discursos são da cerimônia de formatura do Instituto Rio Branco, escola diplomática do Itamaraty. Tradicionalmente, o presidente da República e o ministro das Relações Exteriores discursam para a turma, composta por diplomatas que representarão o Brasil mundo afora. “São jovens diplomatas que você precisa encantar, porque serão eles que de fato vão exercer essa narrativa nas embaixadas do mundo inteiro”, afirma Carbonaro.

Esses discursos formam a estratégia da política externa da época, que pretendia transformar o complexo de vira-lata, termo de Nelson Rodrigues para a inferioridade na qual o brasileiro se coloca diante do mundo, em uma valorização da identidade nacional. O objetivo do governo Lula foi inserir o Brasil no cenário mundial a partir da cultura local, não por uma imitação dos outros lugares.

Por conta disso, os discursos trabalharam quatro categorias identificadas pelo pesquisador: Brasil Emergente, América Latina, Brasil Africano e Autoestima. Para mudar a auto-percepção do brasileiro e valorizar a Autoestima, que é o objetivo principal dessa política externa, os demais discursos foram trabalhados em função disso.

Lula se utilizou do discurso de país emergente para trabalhar as relações Sul-Sul, a exemplo da formação dos Brics, grupo político de cooperação formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. “O que ele queria era transformar a visão de que, como país do Sul, você nunca conseguirá ser parte da ‘harmonia da civilização’, porque você precisaria dos países ricos para chegar lá”, elucida o pesquisador.

As outras duas categorias atuam com o local. América Latina traz junto países em que o discurso do complexo de vira-lata também é presente, como México e Argentina. Brasil Africano tem a ver com o debate do papel do negro na identidade brasileira. Neste discurso, enfatizava-se a ideia de que o Brasil e os países africanos eram irmãos e que faziam parte da história brasileira.

Um exemplo da valorização do Brasil Africano foi o discurso de Lula em 2005, durante uma visita à Ilha de Gorée, Senegal. Após falar das influências da cultura africana na cultura brasileira, Lula pede desculpas aos negros africanos, em nome do Brasil, pela escravidão. Apesar de ter recebido tanto críticas positivas quanto negativas, o fato mostra que é possível construir valores a partir da política externa com ações planejadas.

Durante sua visita ao Senegal, Lula pediu perdão pela escravidão. Na imagem, o ex-presidente ao lado do então presidente do Senegal, Abdoulaye Wade (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)

Durante sua visita ao Senegal, Lula pediu perdão pela escravidão. Na imagem, o ex-presidente ao lado do então presidente do Senegal, Abdoulaye Wade (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)

Prêmio Compós

A dissertação de mestrado de Carbonaro foi selecionada, entre outras 26, para representar o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA (PPGCOM) no Prêmio Compós (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação). De acordo com a Comissão de Prêmios, o trabalho contribui para os estudos da comunicação política no âmbito da diplomacia. A Compós é associada aos programas de pós-graduação em comunicação de instituições de ensino superior públicas e privadas no Brasil.

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