ISSN 2359-5191

23/08/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 108 - Meio Ambiente - Universidade de São Paulo
Crise hídrica ainda é problema em São Paulo
Apesar das alternativas, o abastecimento e a distribuição atuais se mantêm ineficazes para amparar toda a população
Represa do Jaguari, parte integrante do Sistema Cantareira, em Jacareí/SP (junho de 2016). Fonte: Nilton Cardin/Estadão Conteúdo.

A crise de abastecimento de água em São Paulo teve início no ano de 2014, em decorrência de uma série de fatores. Entre estes, se destacam principalmente a falta de chuvas e planejamento por parte das diferentes instâncias de governo.

Em dois anos, o assunto deixou de ser amplamente discutido na mídia e no cotidiano, o que pode sugerir que o problema foi solucionado. De fato, o governo do Estado de São Paulo anunciou o fim da crise em março deste ano. Contudo, na prática, não é bem assim: nos cinco primeiros meses de 2016, a Sabesp recebeu cerca de 79 mil reclamações e denúncias sobre o abastecimento de água nas cinco regiões do município de São Paulo. A região sul foi a que mais registrou ocorrências, com cerca de 21 mil registros. No primeiro semestre de 2015, a empresa recebeu cerca 140 mil reclamações. O novo número, apesar da diminuição expressiva, não significa que a situação tenha sido superada.

Talvez o maior símbolo da crise em seu auge tenha sido a diminuição significativa do volume do Sistema Cantareira, que abastece a maior parte da Região Metropolitana de São Paulo – cerca de 8,8 milhões de pessoas. Em outubro de 2014, o sistema chegou ao volume de 3%, o mínimo já registrado. No final de junho deste ano, o Sistema Cantareira contou com 47,3%, desconsiderando o volume de reserva técnica, que só pode ser utilizada a partir do seu bombeamento.

Para abastecer a população nesse período, o governo de São Paulo promoveu obras emergenciais para bombear água da reserva técnica do sistema, popularmente conhecida como “volume morto”. Essa medida não foi a primeira a ser tomada para reverter os danos da crise de abastecimento. Antes dela, a Sabesp já havia recorrido a outros sistemas de captação e tratamento de água, como a represa de Guarapiranga.

Outra medida foi a mudança nas tarifas: aqueles que consumirem 20% de suas médias mensais receberam descontos de 30% nas contas. Por outro lado, o consumidor que gastou acima da sua média teve um aumento de 30%. A primeira medida foi anunciada no início de 2014. A segunda, no final. Além disso, a Sabesp adotou a redução na pressão das tubulações, o que fez com que a água não chegasse a diversas áreas de São Paulo, em especial na periferia.

Mesmo após o anúncio do fim da crise, é necessário repensar o uso da água para além da redução do consumo cotidiano. A restauração do Sistema Cantareira ao seu volume original pode trazer alívio imediato, mas não impede que a estiagem observada nos últimos dois anos se repita a médio ou longo prazo.

A necessidade de investimento em obras

Aline Suzuki, engenheira ambiental que trabalha área de recursos hídricos, explica que o nível de chuva dos últimos tempos favoreceu a recuperação dos reservatórios, mas não a ponto de agora se ter uma situação confortável. “A gente está muito suscetível a essa alteração climática”, diz. “Se você parar para pensar, as obras de médio e longo prazo que estão sendo feitas não ficarão prontas tão logo. É uma situação bem crítica mesmo.” Além disso, ressalta que a recuperação foi uma sorte por causa da mudança nos níveis de chuva e que, por mais que o governador Geraldo Alckmin tenha afirmado que já sabia que a situação ia melhorar, ele não tinha como saber de fato.   

Infográfico: Giovanna Wolf Tadini.

Em sua dissertação de mestrado defendida recentemente na Escola Politécnica, Aline pesquisou uma forma de otimizar o racionamento de água, tomando como base os principais reservatórios da Região Metropolitana de São Paulo. A ideia de estudar a operação de reservatórios surgiu antes do estouro da crise e depois a pesquisa encaminhou-se, especificamente, para a utilização de um modelo matemático que auxiliasse nas tomadas de decisões quanto ao racionamento.

A população tem uma demanda por água, o reservatório tem o seu nível de água e a Sabesp é responsável por organizar esse abastecimento na maior parte da Região Metropolitana de São Paulo. Para conseguir atender a essa demanda, às vezes são necessários racionamentos, ou seja, fechar as torneiras de fornecimento de água. O que se faz atualmente é racionamento por patamares, de forma escalonada: se há metade do nível de água do reservatório, não acontece racionamento. Mas, se diminuir esse nível, o racionamento passa a ser, por exemplo 33% da água fornecida, e se chegar no nível mínimo de água do reservatório, raciona-se 60%.

A partir disso, a engenheira pensou em variar o nível de racionamento em função do nível de operação, em que, quando diminui um pouco o nível do reservatório, raciona mais um pouco a água fornecida. “Isso ajuda a operar, porque ao invés de só começar a racionar quando se atinge o meio do reservatório, a água é racionada proporcionalmente desde o nível mais alto e, com isso, às vezes nem se chega naquele nível mais baixo”, explica. Foram feitos testes de sensibilidade para ver quanto o sistema respondia a essas variações.

Uma componente da banca de defesa do mestrado, que trabalha para a Sabesp, vai encaminhar a pesquisa para a empresa. A engenheira afirma que esse tipo de racionamento não é uma alternativa à crise hídrica sozinho, seria se fosse operado simultaneamente a outras alternativas. Aline conta que, quando estourou a crise, a Sabesp se abriu a empresas privadas para propostas de projetos: “As soluções existem, não projetos feitos, mas existem várias alternativas propostas. Mas hoje vejo que o maior problema é dinheiro para investimento”. Com a situação financeira complicada que a Sabesp vive e a pouca verba que o governo disponibiliza, há um entrave para poder colocar em prática essa rede de soluções para a questão hídrica paulista. “Essa crise foi importante para as pessoas verem a sensibilidade do sistema: sua capacidade produtiva como um todo é muito parecida com a demanda, então ao longo prazo esse investimento em obras é necessário”, diz.

Aquíferos: um caminho possível

De toda a água doce e líquida que existe no mundo, 98% encontra-se em aquíferos e apenas os outros 2% fazem parte de rios e lagos. No Estado de São Paulo, cerca de 80% dos municípios utiliza as águas subterrâneas para o abastecimento público, e esse número chega a 90% nas bacias hidrográficas da região Centro-Oeste do Estado. Esses dados da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) mostram como as águas subterrâneas são uma importante alternativa no abastecimento urbano.

Segundo o professor e vice-diretor do Centro de Pesquisas de Água Subterrânea (Cepas) do Instituto de Geociências da USP, Ricardo Hirata, embora não exista uma boa estatística a respeito do uso privado da água proveniente de aquíferos no país, sabe-se que ela é fundamental tanto para o abastecimento adicional de cidades, como elemento de segurança hídrica, quanto para a redução dos custos da água. Isso porque ela é mais barata do que a água de origem superficial que passa por diversos tratamentos até chegar às casas da população.

Hirata acredita que “falta, hoje, uma gestão eficiente para tirar o melhor proveito que o recurso subterrâneo tem a oferecer.” Uma maneira racional de utilizar esse recurso seria considerando as águas de aquíferos em qualquer projeto de distribuição, como irrigação, indústria e o próprio abastecimento público, e levando em conta, também, o uso integrado de água subterrânea e superficial para o aumento da oferta hídrica e redução de impactos ambientais.

Assim, com um gerenciamento eficaz, custos seriam reduzidos e se evitaria problemas como a superexploração dos aquíferos e também sua contaminação antrópica. Porém, o professor Ricardo afirma que os problemas de contaminação, que podem gerar a degradação das águas subterrâneas, atingem um pequeno volume dos aquíferos existentes: “Há muito mais água limpa do que contaminada, mesmo sob as cidades.” Ainda assim, os órgãos de controle ambiental paulistas, hoje, praticamente negligenciam a proteção a esse patrimônio subterrâneo.

O Estado de São Paulo abriga muitos aquíferos que ainda podem ser aproveitados. Mesmo em extração, essas reservas de água podem permanecer cumprindo suas funções ecológicas, como mantenedoras do fluxo de base de rios, o que permite que a água continue fluindo durante períodos de estiagem, por exemplo. Por isso, as águas subterrâneas são consideradas alternativa eficaz para o enfrentamento de períodos de seca ou de crise de abastecimento — porém, São Paulo parece ainda não ter compreendido isso.

Para Hirata, deveria existir um programa que comunicasse à população maneiras corretas e seguras de utilizar esse recurso, e isso inclui águas de chuva, superficiais, subterrâneas e também as de reuso.

Assim, faz-se necessário repensar não somente o uso da água pelo consumidor, projetando a responsabilidade da falta dela para o alto consumo do usuário, mas também o método de abastecimento e distribuição dessa, operando de modo mais moderno e sustentável, e fazendo um bom aproveitamento de todas as formas de ocorrência da água de maneira mais eficiente e inteligente.


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