ISSN 2359-5191

21/11/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 136 - Meio Ambiente - Instituto de Eletrotécnica e Energia
Pesquisa da USP discute os perigos residuais da indústria calçadista
Emissão de resíduos tóxicos ainda é um problema na cadeia produtiva desse setor
Fonte: Portal do Amazonas. Reprodução

Nas últimas décadas, a indústria calçadista brasileira apresentou um dos maiores índices nacionais de crescimento comercial. Conforme aponta um estudo realizado pela Associação Brasileira de Franchising (ABF), houve um crescimento de 8,3% no faturamento apresentado por esse ramo no ano passado. Tamanho aumento se encontra associado à demanda por designs inovadores e ao consequente emprego de novos recursos na produção, de modo que tal uso de compostos variados tem se tornado um dos grandes responsáveis pela elevada quantidade de resíduos tóxicos produzidos por essa indústria. Na pesquisa de mestrado Prevenção de resíduos: um estudo de caso na indústria calçadista brasileira — desenvolvida pela mestra Gabriela Amorozo Francisco, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEE) da USP — tal problemática é discutida, buscando analisar antecipadamente os impactos que esses resíduos podem causar, a fim de evitá-los.

Entre os principais problemas existentes na indústria calçadista, Gabriela destaca a periculosidade que determinados resíduos podem apresentar, ao serem gerados durante o processo de produção. Segundo a análise realizada, "um sapato casual apresenta cerca de 60 componentes, enquanto um esportivo supera a marca dos 100". Desses, grande parte dos compostos provoca danos ao meio ambiente, devido à baixa velocidade de biodegradação que apresentam. Consequentemente, tais resíduos se acumulam com maior facilidade, ampliando os danos ao meio — uma vez que possuem elevado teor tóxico.

De acordo com a pesquisa, há a necessidade de se prevenir antecipadamente os danos que o uso de determinados materiais podem causar ao meio. Os impactos potenciais que esses podem provocar — tanto a saúde humana, quanto ao meio ambiente — são elementos que validam a necessidade de um comportamento proativo, que busque minimizar a atual produção de resíduos. Gabriela destaca a existência de dois caminhos principais para  alterar essa lógica:a não geração de certos resíduos (geralmente destinada àqueles mais perigosos ou de difícil tratamento; Prevenção Qualitativa), ou a diminuição em sua quantidade (Prevenção Quantitativa).

Ao longo da pesquisa, a mestre também analisou os elos existentes na longa cadeia produtiva dos calçados, identificando os materiais mais problemáticos empregados na produção. O "couro", o "têxtil"—  incluindo os não tecidos, laminados e sintéticos” — , a "borracha", os “plásticos” e a “manufatura” foram os elos analisados durante o estudo. Nesses houve um elevado destaque ao emprego do cromo —  um dos principais insumos do couro e um dos elementos químicos mais tóxicos ao sistema imunológico humano. "É gerada grande quantidade e diversidade de resíduos na indústria calçadista, e uma significativa parcela deles apresenta periculosidade, podendo ser tóxicos para a saúde humana, corrosivos, inflamáveis, infecciosos, reativos, explosivos, apresentar ecotoxicidade, entre outras características."

 

Prevenção de resíduos:

Fonte: DW. COM . Reprodução

A medida que o mercado amplia sua demanda por novos modelos de calçados, a competitividade das empresas do ramo aumenta. Segundo Gabriela, a concentração da produção em grandes empresas e a busca dessas por uma maximização de lucros contribuem para a elevação dos danos ambientais —  ao passo que há uma multiplicação da quantidade produzida. Tal situação tem levado, conforme aponta a pesquisa, a uma terceirização de processos —  que pouco preocupada com os efeitos dos compostos no meio ambiente — se mostra como um entrave à construção de uma lógica sustentável. O intenso uso de recursos naturais e o elevado desperdício de matérias-primas estão entre os principais agravantes desse quadro, uma vez que, a facilidade de acesso a tais elementos, favorece a manutenção de uma intensa lógica de produção e descarte. "A complexidade da cadeia produtiva e a competitividade entre as empresas reforçam a prevenção como forma mais factível e menos onerosa [custosa] para lidar com a problemática dos resíduos na indústria calçadista."

Na pesquisa, Grabriela também apresenta a organização espacial das empresas de calçados. No estudo é apontada a existência de uma produção geograficamente estruturada em conglomerados, em que se destaca o existente no Rio Grande do Sul — local onde a produção calçadista é uma das mais expressivas do país. A elevada competitividade estimula uma baixa troca de informações entre as empresas do ramo, elemento que, segundo ela, dificulta uma alteração no atual quadro de danos ambientais provenientes da indústria dos calçados. "Essa desarticulação evidencia a necessidade de estudos exploratórios compreensivos para sistematização desse conhecimento, de modo a auxiliar pesquisas futuras", aponta a mestre em ciência ambiental.

Segundo Gabriela, existem estratégias de prevenção que já são aplicadas para a alteração desse panorama. O reuso de tecidos e embalagens, a ampliação da durabilidade do sapato e a redução no emprego do couro foram algumas das alternativas destacadas por ela. Além dessas, o "Ecodesign", que consiste na diminuição do número de componentes do sapato, empregando-se menos linhas e cola durante a fabricação, é apontado na pesquisa como uma das saídas para atender a demanda do mercado de forma sustentável. "São alternativas interessantes, mas apresentam limitações quanto à prevenção de maneira sistêmica. A indústria calçadista ainda tem um caminho a trilhar no sentido de otimizar fluxos e reduzir emissões".

 


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