O presente artigo compara semelhanças e diferenças do retorno para casa, tema da Odisseia, de Homero, e do conto O recado do Morro, de Guimarães Rosa. O empreendimento se viabiliza sob a condição do reconhecimento de si, conforme argumenta Paul Ricoeur (2006, p. 92): “[...] fazer-se reconhecer é recuperar seu domínio ameaçado”. Quando da escuta de uma canção, ambos os heróis resgatam e afirmam cada um a sua identidade.
Odisseu, Dom Quixote e Riobaldo, pela sua natureza de personalidade, são existencialmente condicionados por um texto. Vivem no discurso, sendo o seu universo caracterizado por um determinado enunciado.
Neste trabalho analisamos equiparações entre uma assembleia dos reis gregos homéricos no assédio de Troia, e uma reunião dos chefes jagunços para julgar um prisioneiro em Grande Sertão: Veredas. Vemos os discursos dos personagens dessas obras como permeados pela construção moral de honra heroica. Interpretamos diferenças nas manifestações desse éthos no poema homérico e no romance brasileiro, conforme um sistema de valores em cujos extremos veríamos força e fraqueza substituídas por noções de bem e mal. Veríamos a vigência do valor heroico em ambos contextos, e com ele a tentativa do homem de se imortalizar inscrevendo o próprio nome na memória coletiva.
Neste artigo propomos leituras do Grande Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, e dos poemas homéricos, mais especificamente a Ilíada, com performances dialetais diferentes. Nosso intuito será comprovar (a partir de rotacismos, apócopes, aféreses, síncopes etc.) a amplificação de sentido que advém dessas alterações fonéticas no contexto das obras em foco como um todo. Visamos ao estudo dos metaplasmos como mecanismo que flexibiliza o texto poético e que lhe faculta a dinamicidade, a espacialidade cultural e a fugacidade do oral. Com o recurso de potencializar metaplasmos, o texto ganha novos sentidos no tempo e no espaço. Recuperam-se as estratégias de oralidade do português brasileiro e, através delas, projetam-se aquelas da chamada ‘língua morta’ de Homero.
O artigo pretende discutir a potência de uso dos metaplasmos em textos literários. Eles são vistos como instrumento para quebrar preconceitos culturais e linguísticos. A discussão avaliará o uso do recurso em dois autores: João Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas) e Homero (Ilíada). Vamos realçar a riqueza do processo no sentido de ver tais alterações como componentes do panorama linguístico de uma nação. Sugerimos que reproduzir esteticamente a diversidade de uma comunidade linguística é ato político. Durante a discussão, utilizamos metaplasmos para, na tradução de trechos da Ilíada, ensaiar o que chamamos de fantasias metaplasmáticas.
This paper presents as interpretation of the short-story “Famigerado” by João Guimarães Rosa (Primeiras estórias) and the Polyphemus’ episode in Homer’s Odyssey based on many common elements: the smart use of language; an adjective related to fame that occupies a central place in the story (“famigerado”; “polyphêmos”); a hospitality scene structuring the story; and the dialectic movement between violence and cunning.
Discute-se o uso da fórmula mire (e) veja em Grande sertão: veredas, em particular, sua ressonância temática e seus usos pragmáticos, e conclui-se que ela é central para a forma como o narrador Riobaldo comunica sua experiência passada. Em um segundo momento, sua dinâmica é comparada àquela da linguagem formular da poesia oral homérica.