No conto "Sem tangência", publicado inicialmente em 1965 e incluído na obra póstuma Ave, palavra,
Guimarães Rosa aborda o tema da morte e da possibilidade de alguma forma de existência posterior a ela. Este trabalho tem por objetivo iluminar as concepções do autor acerca do binômio "surpresa" e "inevitabilidade", atributos da própria morte e da expressão verbal. Para tanto, além da análise do conto, serão investigadas circunstâncias biográficas da morte do autor. Não se pretende aqui reforçar as leituras esotéricas que atribuem a Rosa a capacidade de predizer sua própria morte, mas sim observar como o autor tematizou a morte num determinado texto literário, cujo título nega o que
sugere: a existência de algum ponto em que vida e morte pudessem se tocar.
Embora essencialmente um contador de estórias, Guimarães Rosa desenvolveu um estilo muito sofisticado para construir suas narrativas, combinando o falar arcaizante do sertão com a dicção solene da tradição clássica e com os experimentos da vanguarda cosmopolita. Pesquisando seus arquivos, podem-se encontrar cadernos de anotações onde o escritor registrou versos populares, fragmentos de relatos de vaqueiros, estórias de fada, vocabulário típico da lida do campo, citações dos clássicos do bucolismo e informações dos viajantes naturalistas do século XIX. Uma leitura comparativa entre esse tipo de notas manuscritas e os contos publicados nos permite captar uma teoria da linguagem própria de Rosa, que corresponde, como ele mesmo dizia, a um tipo de técnica tradutória. Assim, para tentar explicar tal teoria é muito útil tomar de empréstimo de Walter Benjamin alguns conceitos e metáforas operacionais, uma vez que se pode surpreender uma impressionante semelhança entre o pensamento dos dois escritores.
Em relatos pessoais de João Guimarães Rosa, a autora colhe dados sobre episódios da infância e aspectos da paisagem da terra natal do escritor. Correlaciona-os com a criação ficcional, notadamente em Sagarana, segundo conceitos relativos ao fato de que as lembranças também se inventam, pois a fantasia se associa às recordações de infância na memória do adulto.