Este artigo tem por objetivo analisar as imagens do povo presentes na obra Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Para tanto, propõe-se fazer uma crítica das noções de comunidade e povo, configuradas pelo projeto de nação moderno da década de 1950. A crítica visa repensar o sentido totalizante dessas duas concepções. A leitura de Grande sertão: veredas pretende identificar na obra conceitos de povo e comunidade que escapam às reconfigurações modernas de nação. Nesse sentido, a partir das obras de Roberto Esposito, Didi-Huberman e Giorgio Agamben, analisa-se a população sertaneja não como uma união coesa, mas como uma multiplicidade de singularidades que habitam e convivem numa dimensão comunitária da vida. O domínio do comum é entendido como uma modalidade de ser-com, em que o convívio com o outro não é um reforço da identidade, mas sim uma expropriação de si, das fronteiras da subjetividade. Ao analisar os diversos povos do sertão, inclusive aqueles que foram mortos e cujos sofrimentos são testemunhados por Riobaldo, busca-se pensar num conceito de justiça relacionado com a memória que dá visibilidade a essas populações esquecidas do sertão.
Esta tese tem como objeto de estudo a comparação dos romances Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, e A menina morta, de Cornélio Penna. O objetivo principal é analisar, nessas duas obras, tanto os mecanismos de funcionamento do poder político, tendo em vista, sobretudo, sua face violenta, como os significados de conviver e se relacionar com a alteridade. Com o objetivo de desenvolver essas duas linhas de reflexão crítica, alguns conceitos propostos por Roberto Esposito, Michel Foucault, Giorgio Agamben e Jacques Derrida foram abordados: comunidade, imunidade, herança, espectro, testemunho, perdão, justiça, biopolítica e estado de exceção. A leitura teórica é articulada com estudos clássicos da história política e social do Brasil, contrastando as diferentes perspectivas, a respeito da violência e da relação com o outro, presentes nas duas narrativas com as de autores do pensamento social brasileiro, como Raymundo Faoro, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Maria Sylvia de Carvalho Franco. Portanto, acredita-se que este trabalho comparativo apresenta novas possibilidades de leitura, capazes de iluminar novas compreensões da história e da sociedade brasileira.