O artigo apresenta breve análise do efeito da narrativa em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (1965), como uma obra de pensamento sobre a memória e a construção da experiência através do contar. A noção de experiência que advém da leitura da obra é comparada ao que Walter Benjamin (1987) conceituou como a narração da experiência coletiva (Erfahrung), que parece colocar em movimento a memória impessoal e criativa, subsumindo a concepção de sujeito moderno, cuja experiência pessoal e psicológica está em jogo, e de comunicação interpessoal. Assim, Guimarães Rosa, através da narrativa do personagem Riobaldo, torna o contar um fenômeno de abertura e criação de mundos, em um contexto contemporâneo de declínio da importância da oralidade e da história viva, e do encerramento da experiência enquanto individualidade.
Este artigo utiliza a obra de Guimarães Rosa enquanto revelador de conceitos como o de experiência, narração e memória a fim de questionar e provocar o atual estatuto das noções homônimas presentes na psicologia. A partir de passagens do livro “Grande Sertão: Veredas”, procuramos levar a pensar o processo de subjetivação como engendrado pela narratividade, sendo assim um processo coletivo que atravessa as dicotomias presentes nas correntes de pensamento clássicos da psicologia e da semiologia contemporânea.
Através de um processo de criação a que chamamos de “ouvinte invisível”, Rosa transpõe a psicologização da experiência revelando o surgimento de “eus” e “mundos” advindos do próprio contar. A narratividade revelada pela criação literária provoca a possibilidade de uma mudança de paradigma no estatuto da experiência em psicologia. O contar une literatura e pensamento psicológico em uma travessia de todos.