Este artigo utiliza a obra de Guimarães Rosa enquanto revelador de conceitos como o de experiência, narração e memória a fim de questionar e provocar o atual estatuto das noções homônimas presentes na psicologia. A partir de passagens do livro “Grande Sertão: Veredas”, procuramos levar a pensar o processo de subjetivação como engendrado pela narratividade, sendo assim um processo coletivo que atravessa as dicotomias presentes nas correntes de pensamento clássicos da psicologia e da semiologia contemporânea.
Através de um processo de criação a que chamamos de “ouvinte invisível”, Rosa transpõe a psicologização da experiência revelando o surgimento de “eus” e “mundos” advindos do próprio contar. A narratividade revelada pela criação literária provoca a possibilidade de uma mudança de paradigma no estatuto da experiência em psicologia. O contar une literatura e pensamento psicológico em uma travessia de todos.
O Núcleo de Estudos de Teoria Linguística e Literária, NETLLIDGP/CNPq, concebeu MACABÉA ? Revista Eletrônica do Netlli como um instrumento através do qual nos pudéssemos contribuir com os estudos da linguagem orientados por uma inspiração bakhtiniana, sem descartar, evidentemente, outras inspirações igualmente legítimas. O periódico nasceu, portanto, com um horizonte amplo, capaz de captar e receber a colaboração advinda da comunidade científica do campo da Linguística e da Literatura, mas também vem à luz fortemente motivado pelo anseio de colaborar com outras iniciativas de linhagem bakhtiniana.
"Curtamão", um dos breves contos de Tutaméia (1967) de Guimarães Rosa, traz a temática do criador que é executor ou artesão de sua obra, e que tem como motivação a poesia e a arte. Este é também defensor de sua liberdade criadora, representando a posição do escritor diante da sociedade. O alicerce de sua escrita/obra é definido pelo amor à poesia e pelos elementos da linguagem que o ajudam a construí-la. A ideia de um projeto literário cuidadosamente planejado na obra do escritor mineiro evidencia-se na alegoria da construção da casa, obra literária em contínua dinâmica e estabelecida como projeto permanente a favor do homem.
Neste trabalho exploramos a tradição oral, a linguagem brincalhona, revolucionária e descolonizadora em dois textos em línuga portuguesa: “A terceira margem do rio”, do brasileiro João Guimaraes Rosa e “Nas águas do tempo”, do moçambicano Mia Couto. Nos dois contos as personagens se misturam e se diluem com a imagem do rio, uma vez que elas buscam, pelo rio, fazer seus deslocamentos para um mundo mais interior, mais íntimo mais isolado. Tanto em Guimaraes como em Couto, pode-se perceber que a linguagem como instrumento de revolução e descolonização uma vez que revisitam culturas e
vozes “condenadas”, recriando, revalorizando e revigorando uma linguagem esquecida pelos “homens cultos.” A linguagem “impura”, o linguajar do povo, o brincar com a linguagem, o inventar e desinventar enchem os dois textos de graça e sugerem relfexao sobre um mundo de pessoas simples, apegadas à terra.
Este trabalho faz referências às relações entre o afeto e a escrita, tomando como modelo o impulso criativo de João Guimarães Rosa, um dos grandes autores da literatura brasileira. Parto do pressuposto que o escritor de Corpo de baile (1956) se expõe deliberadamente aos afetos como fonte de conhecimento, forma de criação e de sustentação de sua arte. Assim, destaco de sua produção textual algumas anotações de viagem (manuscritos), cartas e intenções que antecedem a obra literária. Das publicações, são analisadas duas novelas de Corpo de baile: O recado do morro e Uma estória de amor. Sirvo-me dos conceitos de pulsão, sublimação, cadeia significante e transliteração, ligados à psicanálise freudo-lacaniana, para evidenciar que Guimarães Rosa constrói um particular diálogo com os estímulos do mundo. Pretendo argumentar a favor de uma hipótese segundo a qual a escrita deste autor vem de seu corpo, conforme as marcas ou os cortes que incidiram em sua vida, mas, sobretudo, pela sua peculiar disposição em se deixar inscrever pela linguagem a partir dos afetos. Neste trabalho fica a intenção de responder à seguinte pergunta de pesquisa: como João Guimarães Rosa organiza o percurso de criação de duas de suas novelas de Corpo de baile, visando a ser afetado pelas experiências vividas ao longo do período de preparação dos originais de forma a, no momento da escrita, transmudá-las para a ficção? Deste modo, ressalto nesta dissertação os seguintes objetivos específicos: a) a descrição de alguns recursos utilizados por João Guimarães Rosa, quando ele organiza seu percurso de escrita; b) o uso de uma teoria que considere a pulsão e o afeto como molas propulsoras para a invenção de um processo de criação. Trata-se, portanto, de apontar para o modo singular de um autor se deixar inscrever pela linguagem, situandose num posicionamento metódico e paciente na apreensão da palavra, da poética.