Faculdade de Letras - FL (RG)
João Guimarães Rosa considerava que seu trabalho de escritor consistia em devolver a liberdade ao Homem, o que para ele significava devolver ao homem a possibilidade de usar uma palavra como se o fizesse pela primeira vez. Ou seja, fazer com que seu leitor, ao entrar novamente em contato com o Verbo criador de realidades, ao mesmo tempo percebesse a possibilidade de se transformar, de criatura, em também criador de mundos. Das leituras que fizemos da obra de Guimarães Rosa, assim como de sua fortuna crítica, a impressão que restou era a que essa concepção, ou seja, da possibilidade de recuperação da criação retórica do mundo, não estava contemplada. Ou se fazia uma leitura mística dos textos, por demais marcada pela religiosidade popular, ou uma leitura sociológica, acentuadamente regionalista, entre outras. Este trabalho visa a abordar a representação do sertão em seu único romance do autor mineiro, Grande sertão: veredas. À luz da hermenêutica simbólica, da Crítica do Imaginário, especialmente a partir da Teoria Geral do Imaginário, proposta por Gilbert Durand, são analisadas as possíveis relações de Guimarães Rosa com esse espaço do sertão. Investigamos de que forma essas relações são mediadas pela linguagem e, finalmente, são sugeridas possibilidades de leitura para o conceito de metafísica, conforme exposto por Rosa. A hipótese com que se trabalha é a de que o universo (re)criado por Rosa, ou seja, o “sertão”, reproduz o que Durand chama de forma a priori e eufemizante do antidestino, ou do repouso e da esperança. Nessa perspectiva, a pesquisa procura desvelar elementos pré-lógicos do discurso, a partir de um corpus principal, o romance Grande sertão: veredas, que assume, concretamente, a função fantástica da imaginação, dissolvendo o suposto regionalismo da obra no grande movimento das imagens arquetípicas que ancestralmente acompanham o homo sapiens. O espaço do sertão, de simples lugar da infância do menino Joãozito, passa a ocupar o centro da obra do escritor e a assumir papel de veículo de sua convivência eufêmica com o Tempo, sugerindo atualizações de vários mitos, como o do Labirinto e o de Fausto. Assim, o sertão, para João Guimarães Rosa, manifesta-se como espaço sagrado, especialmente pela travessia iniciática de Riobaldo, um mais que irmão de Rosa, escritor que reiteradas vezes afirmou que não se deveria fazer distinção entre autor e obra.