Este artigo aborda a crônica “Uns índios (sua fala)”, publicada por Guimarães Rosa no jornal A manhã em 1954. Nessa crônica, o escritor relata o seu encontro, no estado de Mato Grosso, com índios Terenos - sua expedição a um “arranchamento de ‘dissidentes’” à procura de alguns segredos da surpreendente língua tariana. Como a crônica permite inferir, o fato de essa fala parecer ininteligível é um efeito da intervenção daquele que pretende catalogá-la ou capturá-la num dispositivo de escritura, e as identidades “índio” e “branco” são efeitos produzidos escrituralmente, assim como as distinções entre “civilização” e “barbárie”. Este artigo tentará evidenciar como essa crônica recolhe alguns dos aspectos que exigem reformular o famigerado caráter documental do corpus Guimarães Rosa, assim como modificar alguns dos pressupostos dos nossos instrumentos de leitura, geralmente cativos de um imperativo representacional.
Guimarães Rosa e sua obra já fazem parte do cânone literário brasileiro, inclusive por sua
inovação linguística. A crítica literária considera o autor, e consequentemente sua produção
literária, como integrante dos romances ditos regionalistas, justamente pela temática voltada
para o interior do país. Contudo, sabemos que o termo "regionalismo" serve para diminuir o
valor literário de obras que não fazem parte do "centro" do Brasil, dominado pela elite
literária carioca e paulista. Por esse motivo, Grande Sertão: Veredas será retratada a partir de
outro enfoque, resgatando novos elementos que a compõem e a tornam um cânone literário,
sem o rótulo de “regionalista”. Serão utilizadas a teoria do Perspectivismo Ameríndio, do
antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, que nos ajudará a entender um pouco sobre a cultura
indígena, iluminando o modo de pensar não ocidental; o conceito de performance de Paul
Zumthor, visto que Riobaldo se distingue de outros narradores tradicionais do gênero; outras
fontes como a biografia de Guimarães Rosa e, ainda, alguns textos publicados pelo autor
servirão de base para a proposta aqui presente.
Os contos Uns índios (sua fala) de João Guimarães Rosa e Não haverá mais índios de Luiz Vilela abordam um tema caro a Literatura Brasileira: o índio subalterno. Como elemento fundador da simbologia de nossa cultura o autóctone sempre foi um protótipo marcante ao longo da história de nossas produções textuais. O artigo tem por objetivo esboçar por meio dos textos selecionados algumas reflexões sobre como essa insígnia de nossa formação identitária é abordada na literatura contemporânea, e em que medida a construção literária desse elemento reforça ou nega as imagens construídas ao longo de nossa historiografia literária. Para a análise foram utilizados textos de estudos de viagens, referencial teórico sobre a contemporaneidade, elaboração de contos e de estrutura narrativa. Ambos os autores ao projetarem a imagem dos gentios, mostrando a marginalidade na qual estão inseridos, reforçam o olhar de estrangeiro e apontam para uma visão comum da qual a maioria dos textos se valem: o processo de aculturação.
Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto
A partir de um conceito que chamamos de etnografia literária, procuramos demonstrar como o sujeito-escritor Guimarães Rosa, voltado para a antropologia, em especial, a etnografia, constrói-se ao longo de materiais como notas de viagem, cartas, anotações de diário e reportagens poéticas; em seguida, demonstramos como essa construção contamina os narradores posteriores de sua literatura. Nesta etnografia literária, consideramos o narrador como um etnógrafo construído a partir da viagem, da observação que valoriza a sinestesia e da empatia para com os personagens, o outro. Esta empatia pode ser vista através da fala direta ou do discurso indireto livre, essenciais à etnografia literária, pois representam o acesso à alteridade. Demostramos como noções de etnografia estão presentes nas narrativas de Ave, Palavra, “Sanga Puytã”, “Cipango”, “Uns índios – sua fala”, “Ao Pantanal” e “Pé-duro, chapéu-de-couro” como também “Entremeio: com o vaqueiro Mariano”, de Estas Estórias e “O recado do morro” e “Uma estória de amor”, de Corpo de Baile. Recolhemos no diário de viagem do escritor, A Boiada, tal visão etnográfica que dialoga com os demais textos lidos na tese.
Este trabalho tem por objetivo semiotizar o relato de viagem, Uns índios (sua fala), contido na obra póstuma Ave, palavra de João Guimarães Rosa. O texto é uma narrativa do encontro do escritor com os índios terenos, etnia oriunda do estado do Mato Grosso, na região de fronteira com Paraguai. O estudo trata da semiotização de três sistemas culturais pertinentes na obra, a saber: a Literatura, a História e a Linguística, sob a perspectiva da Semiótica da Cultura ou Semiótica Russa. Seguiu-se para as análises modelizantes, o protocolo teórico desse viés semiótico, objetivando traçar os pontos de interseção entre a narrativa roseana; o texto literário, A Retirada da Laguna (Visconde de Taunay); a história da guerra do Paraguai e a produção linguística dos índios terenos citada no relato de viagem em foco. O estudo lança mão do conceito de dialogismo backhtiniano a fim de, pela modelização desses sistemas semióticos, mostrar um caminho para estudos interdisciplinares na sala de aula a partir de textos como o analisado neste Trabalho de Conclusão de Curso.
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