Filiados a um contexto literário em que o poeta busca a reconciliação entre o “eu” e o universo sem rejeitar a consciência do fazer poético e a renovação da linguagem, os poemas de Guimarães Rosa em Ave, Palavra aproximam-se do que Octavio Paz denominou de “poesia de convergência”. Tal visão analógica metaforiza-se nos poemas por meio do mito de Narciso e por imagens que associam o reflexo e o encontro do Outro como forma de conhecer a si mesmo. O presente trabalho objetiva apresentar uma leitura das referidas composições poéticas examinando como a analogia se estabelece, aproximando-as das demais produções de Guimarães Rosa, identificando-as, não como acidente na obra o autor, mas como produção portadora das inquietações que acompanham o artista em sua trajetória literária.
O objetivo desta comunicação é elucidar elementos composicionais de textos selecionados da obra do escritor João Guimarães Rosa em que a temática bestiário, principalmente, inserida em um contexto moderno pode ser discutida. Para isto, primeiramente, para orientar essa discussão, trataremos de privilegiar uma ótica que almeja pensar a presença dos animais na trajetória literária rosiana. Na sequência, apresentar e culminar em sua última obra, Ave, palavra, cujos textos trabalham com a temática sobre os animais de forma intensa. Mais do que isso, ampliar nosso olhar para relação existente entre Homem e animal em uma perspectiva moderna, uma vez que os textos rosianos permitem
reflexões, por esses vieses, devido aos conteúdos cujos procedimentos estéticos dialogam
diretamente com as características da construção literária moderna. Utilizaremos embasamento teórico em estudiosos que pesquisam a referida temática, como a professora Maria Esther Maciel. Assim, trabalharemos a complexidade da escritura de João Guimarães Rosa com relação aos bestiários, tendo como lastro questões suscitadas em textos de sua carreira literária e, sobretudo, de sua obra póstuma, Ave, Palavra, refletindo sobre a fronteira entre humano e inumano, a qual oportuniza olhares interpretativos sob a figura do homem moderno.
Muitas vezes o leitor das narrativas de Guimarães Rosa depara-se com um narrador ou personagem que podem ser lidos como uma figuração do escritor graças à associação entre aspectos textuais (temas, personagens, narradores) e informações acerca do autor. A identificação ocorre também pelo ajuste do texto ao repertório de imagens e posturas autorais que dialogam com as escolhas da obra lida repertório também acessado pelo escritor para a construção de sua figura autoral. Esta tese discute como o escritor criou figurações autorais, procurando entender a dinâmica de vinculação entre presença autoral e campo literário, além da construção da autorrepresentação em enunciações públicas (entrevistas e depoimentos) e privadas (diários e outros manuscritos), nas quais se observa o escritor produzindo figurações de si e afirmando posturas que sugerem um modo de interpretação de seus textos. Quanto às narrativas rosianas, a análise concentra-se em textos divulgados em periódicos e posteriormente reunidos em Tutaméia Terceiras Estórias (1967), Estas Estórias (1969) e Ave, Palavra (1970).
A dissertação tem como corpus as poesias de João Guimarães Rosa, sob assinatura de anagramáticos, presentes no livro híbrido Ave, Palavra. Tais composições foram um tanto inexploradas pela crítica literária, ficando subestimadas pela magistral linguagem de suas narrativas. É objetivo do trabalho analisar as referidas poesias ressaltando a qualidade estética dessas composições e reconhecendo-as não como acidente em meio às produções em prosa, mas como parte significativa e integrada da obra do escritor. Partindo da concepção de poesia de convergência, apresentada por Octavio Paz, verificamos que, dentre as poesias, estão presentes poemas de caráter analógico - caracterizadas pela busca do autoconhecimento e figurativizadas pelo mito de Narciso - e também composições cujo enfoque é o fazer literário. Em grande parte das composições, a visão analógica surge atrelada a aspectos metapoéticos, presentificando, nas poesias, a correlação que Guimarães Rosa estabelece entre renovação lingüística e renovação humana. Para tanto, utilizamos, como embasamento teórico, estudos acerca da linguagem poética e da concepção de poesia, como os de Roman Jakobson, T. S. Eliot, Jean Cohen, Todorov e Octavio Paz. O livro de Hugo Friedrich, A Estrutura da Lírica Moderna, também nos auxilia na análise dos poemas, além de estudos sobre a produção artística de João Guimarães Rosa, em especial, os de Heloisa Vilhena de Araujo, Paulo Jorge Haranaka, Maria Célia Leonel, Eduardo Faria Coutinho, Manuel Cavalcanti Proença, dentre outros.
Adotando os seguintes pontos de partida: (i) o parecer analítico de que a literatura canônica de João Guimarães Rosa, constituída pelos livros por ele publicados em vida (Sagarana, Corpo de baile, Grande sertão: veredas, Primeiras estórias e Tutameia), entre 1946 e 1967, assenta-se, de modo preponderante, sobre algumas coordenadas recorrentes como a narrativa de ficção, o espaço rural sertanejo e o aproveitamento da dicção oral; (ii) a percepção tradicional de que Guimarães Rosa eximiu-se de usar explicitamente a sua literatura como instrumento de intervenção nos debates públicos de seu tempo; (iii) a constatação da existência de numerosos escritos do autor, compostos ao longo de toda a sua carreira literária e somente reunidos em edições póstumas, os quais, até os dias de hoje, na sua maioria, receberam discreta atenção crítico-acadêmica; (iv) a verificação da presença, no arquivo-espólio do escritor mineiro no IEB-USP, de uma quantidade não irrelevante de manuscritos de narrativas inacabadas em diversos graus de desenvolvimento; assumidos esses pontos de partida, esta tese tem por objetivo demonstrar como, em produções rosianas menos lidas e examinadas criticamente, assim como em algumas daquelas nunca dadas a público em decorrência de seu estado de incompletude, são observáveis rupturas e abandonos das coordenadas fundamentais acima referidas, havendo maior exploração de gêneros discursivos alheios à narrativa de ficção, o aparecimento mais prevalente do espaço citadino, o favorecimento do registro urbano culto em detrimento da elocução oral (além de outras modalizações e oscilações tonais e formais que diferenciam esses textos da literatura rosiana mais tradicional) e, por último, um posicionamento ativo do autor com respeito a algumas questões em pauta à época. Ao mesmo tempo, pretendemos reconectar esses textos "marginais" e inacabados com o todo da obra do autor, e flagar, na trajetória literária de Guimarães Rosa, uma espécie de dialética entre o mesmo e o outro, entre a repetição de fórmulas consagradas e a experimentação de variadas soluções expressionais e de veiculação de sentido, alternância que permite dar corpo a uma visão mais plural e alargada do escritor que foi Guimarães Rosa.
A obra literária de João Guimarães Rosa surpreende, encanta e instiga pesquisadores de todas as épocas. Destaca-se, entre outros fatores, pela forma muito particular como o autor compõe suas narrativas e constrói as personagens, todavia chama atenção também a incrível capacidade de criação e recriação lexical empreendida pelo autor em sua tessitura poética. Conhecido como o mago das palavras, João Guimarães Rosa se utiliza dos neologismos como recurso inerente à linguagem para transcender a transparência e superficialidade da língua, abastecendo-se de toda significância e originalidade de uma palavra autêntica e livre da fala desgastada do cotidiano. Fundamentados teoricamente nos princípios e pressupostos da morfologia e lexicologia, lançamos um olhar acerca da última obra escrita por João Guimarães Rosa, Ave, Palavra, visando: (1) investigar o processo de criação lexical empreendido em Ave, Palavra, de modo a compreender a pluralidade semântica gerada em sua tessitura. (2) Averiguar
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