O trabalho procura mostrar como Guimarães Rosa, nos seus três primeiros livros publicados, Sagarana, Corpo de Baile e Grande Sertão: Veredas, integra às duas camadas mais lidas e estudadas dos seus textos, a empírica e a mítico-simbólica, uma terceira, alegórico-histórica. Com ela, o autor procura representar, estilizadamente, algumas constantes da nossa vida social e institucional. Ela foi construída principalmente a partir das novas interpretações históricas que começaram a aparecer com as crises mais profundas vividas pela República, já nos inícios da década de vinte do século passado. Nela, Guimarães explora as tensões criadas pelo embate entre forças ordenadoras e desordenadoras - reeditando aqui a luta entre barbárie e civilização seja no plano da vida privada, seja no da vida pública. Desse modo, o autor norteia também a sua estratégia literária na busca de uma representação do país, na medida em que este participa das mesmas tensões universais resultantes da luta entre a ordem e a desordem, a barbárie e a civilização, o arcaico e o moderno. Cabe lembrar que essas três camadas de textos não foram vistas separadamente, mas nas suas articulações, composicionais e significativas. Um segundo objetivo do trabalho é o de revelar como esses livros acabaram se imbricando um no outro, podendo os dois primeiros serem vistos como uma espécie de estudos preparatórios para o que seria o seu resultado sinfônico maior, que é o Grande Sertão: Veredas. No primeiro e no segundo capítulos, o trabalho mostra como um livro dependeu do outro para chegar ao que chegou, seja no plano das personagens - Riobaldo como o resultado da junção de Lalino eLélio -, seja no dos motivos e temas - por exemplo, os paradigmas amorosos desenvolvidos no Grande Sertão, já estão incubados em Sagarana e têm os seus primeiros ensaios em Corpo de Baile. Como orientação metodológica, é preciso acrescentar, que só foi ) possível chegar a esses resultados, na medida em que se deu atenção às relações dessas estórias com o período histórico em que elas se passam na sua maioria, o da Primeira República, e se considerou o momento em que foram escritas, durante os anos de 37 a 54 (neste ano o autor já anuncia Corpo de Baile e Veredas Mortas, nome original do Grande Sertão), período conhecido como o do getulismo ou varguismo, quer dizer, momento também de grandes instabilidades e indefinições da nossa vida político-institucional.
Este trabalho desenvolve o tema das duas epígrafes tiradas de A divina comédia e usadas no Capítulo III, da segunda parte, de meu livro O Brasil de Rosa: o amor e o poder. Nele procuro mostrar as variações do tema da vida amorosa no romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.
As leituras feitas por Antonio Candido da obra de Guimarães Rosa, valiosas tanto pela complexidade de sua visão analítica como pelo seu poder de disseminação de uma linha de entendimento a ser expandida pelos seus discípulos, têm ainda o mérito de deixar entrever, no caso específico da obra
do ficcionista mineiro, a necessidade de uma multiplicidade de interpretações, capazes de melhor dar conta da riqueza e da complexidade dos textos. O trabalho pioneiro do autor de "O homem dos avessos" abriu caminho para leituras de cunho sociológico e metafísico. Em seu tempo, estas foram complementadas por estudos que vincularam a obra de Guimarães Rosa a contextos de modernidade não necessariamente brasileiros. O presente ensaio lança um olhar crítico sobre essas vertentes e reflete sobre possíveis desdobramentos críticos e teóricos no futuro.
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