Este artigo analisa o conto “Intruge-se”, que integra a coletânia de Tutameia (1967), do escritor mineiro João Guimarães Rosa, tendo como parâmetro a representação do mal. O conto se dobra numa perspectiva especular, possibilitando, ao mesmo tempo, a leitura da estória e a reflexão acerca da natureza humana. Percorreremos o conto com olhar minucioso e proposto a encontrar, nos meandros da escrita rosiana, os múltiplos sentidos que envolvem as ações e escolhas do personagem central e como, através delas, o autor busca representar uma das questões mais prementes da humanidade. Pretendemos evidenciar de que forma o elemento estético atua na formação do indivíduo, propiciando, além de uma experiência objetiva de fruição, um aprendizado espontâneo e inescusável que impinge no leitor inquietude e necessidade de refletir. Este trabalho é uma observação sobre o conto e aquilo que faz dele o que é. Guimarães Rosa traça esta estória sobre mundos de subjetividade, mundos que comportam um contexto que deflagra a estória, a qual pretende remeter o leitor para fora dela, numa espiral que propicia, pela natureza de sua forma, os mais variados questionamentos acerca das ações e sentimentos humanos. As experiências decorrentes dessa observação, bem como aquelas decorrentes de suas variações, resultam numa rica aprendizagem, na medida em que habilitam e habituam o olhar crítico, a dúvida e a reflexão. Nesse sentido, a literatura atua como mecanismo de aprendizado, segundo o que defende Antonio Candido.
Esta tese tem como objetivo analisar e discorrer sobre a representação do fenômeno do Mal na prosa romanesca brasileira desde a publicação de Angústia (1936) de Graciliano Ramos a Não verás país nenhum (1981) de Ignácio de Loyola Brandão. Além destes dois romances, são analisados, Grande Sertão: Veredas (1956), de Guimarães Rosa; A paixão segundo G.H. (1964), de Clarice Lispector; A porteira do mundo (1967), de Hermilo Borba Filho e Um copo de cólera (1978), de Raduan Nassar. O objetivo principal é refletir sobre a presença do tema do Mal em seus diferentes desdobramentos em tais autores, sob o ponto de vista da mímesis, abordando sua influência dentro do plano político, social, humano, filosófico, etc. Assim, discutimos, com um viés interdisciplinar, conceitos como estado de exceção, tragédia, ficção-científica, erotismo, usando como apoio teórico autores como Hannah Arendt, Susan Neiman, Terry Eagleton, Giorgio Agamben, George Bataille, entre outros. A proposta é identificar pontos específicos e comuns entre as obras, compreendendo-as, sobretudo, de forma independente, sem pensá-las dentro de um único modelo, mas estabelecendo ligações entre elas e de como foram importantes para pensar o tema do Mal dentro da literatura brasileira ao longo do século XX.
Em Grande sertão: veredas, romance de João Guimarães Rosa, o narrador e protagonista Riobaldo confronta-se com as contradições do seu ser à medida que relata sua própria vida. Dentre as várias questões abordadas pela narrativa, a problemática do mal e a natureza do demoníaco são eixos temáticos por meio dos quais Riobaldo compõe o seu discurso, uma vez que, atormentado por ter instrumentalizado a violência no seu passado como jagunço e incerto sobre ter fiado ou não um pacto com o diabo, estas são questões que lhe são especialmente sensíveis. A partir da crítica de João Adolfo Hansen (2000) – que, ao debruçar-se sobre o plano expressivo do romance, constata que, na exuberância discursiva de Riobaldo, o sujeito da enunciação é eivado de indeterminações – e do suporte conceitual provido por Ernest Becker (2017) – cujas observações de cunho existencialista evidenciam certos mecanismos psíquicos de reação do sujeito frente à própria condição finita e miserável, como a transferência e a idealização de heroísmo –, o presente trabalho analisa a constituição e o processo de formação do protagonista de Grande sertão: veredas face ao demoníaco e ao mal que o estruturam intrinsecamente à revelia de sua vontade. Na tradição literária dos heróis fáusticos, Riobaldo, enfim, destaca-se em contraste, pois, ao invés de buscar os poderes demoníacos para a realização de vontades pessoais, suas grandes realizações estiveram sujeitas às vontades e aos projetos de outras personagens que atravessaram sua trajetória como interventores em seu desenvolvimento pessoal. Neste papel, são principalmente importantes a atuação de Diadorim e de Hermógenes, que, por sua vez, se assumem como manifestações simbólicas da interioridade atribulada e contraditória de Riobaldo.