A busca constante da transformação do modo de ver o mundo faz da obra de Guimarães Rosa uma grande paideia, que incita o jogo do devir, o jogo de atravessar, o jogo das metamorfoses contínuas e comuns de toda forma de vida. O narrador rosiano põe o leitor em constantes rupturas da lógica e dos pragmatismos humanos, a fim de descontruir a automatização dos homens e do mundo. Assim, neste trabalho, o que se objetiva estudar é a representação das personagens rosianas em busca de sua construção como indivíduos, especialmente no que tange à sua nova compreensão do amor e da alegria, o que se pode verificar em contos da obra Primeiras estórias, e que em última análise pode ser visto como uma nova proposta de construção interior para o homem, diante de sua realidade.
O presente artigo resulta de um estudo sobre a construção e o aprendizado do olhar na obra de João Guimarães Rosa, ou melhor, sobre a maneira como o autor questiona, através de seus personagens, a visão mecânica ou estereotipada de mundo, associando o gesto de olhar com o desejo de aprender. A abordagem é intertextual, pois contempla, além de duas narrativas de Guimarães Rosa, o Mito de Narciso, e a Tragédia de Sófocles, Édipo Rei. Em termos teóricos, este é um estudo hermenêutico,cujo ponto de partida é sempre o texto rosiano, a expressão de seus personagens e o seu modo de relacionar-se com o mundo. O texto é fruto de uma pesquisa que contempla a educação pelo olhar, e mostra como esta ocorre na obra de um autor como Guimarães Rosa, que construiu narrativas em que os personagens têm percepções e visões de mundo bastante específicas. É o que mostraremos a seguir.
Este artigo analisa o conto “Intruge-se”, que integra a coletânia de Tutameia (1967), do escritor mineiro João Guimarães Rosa, tendo como parâmetro a representação do mal. O conto se dobra numa perspectiva especular, possibilitando, ao mesmo tempo, a leitura da estória e a reflexão acerca da natureza humana. Percorreremos o conto com olhar minucioso e proposto a encontrar, nos meandros da escrita rosiana, os múltiplos sentidos que envolvem as ações e escolhas do personagem central e como, através delas, o autor busca representar uma das questões mais prementes da humanidade. Pretendemos evidenciar de que forma o elemento estético atua na formação do indivíduo, propiciando, além de uma experiência objetiva de fruição, um aprendizado espontâneo e inescusável que impinge no leitor inquietude e necessidade de refletir. Este trabalho é uma observação sobre o conto e aquilo que faz dele o que é. Guimarães Rosa traça esta estória sobre mundos de subjetividade, mundos que comportam um contexto que deflagra a estória, a qual pretende remeter o leitor para fora dela, numa espiral que propicia, pela natureza de sua forma, os mais variados questionamentos acerca das ações e sentimentos humanos. As experiências decorrentes dessa observação, bem como aquelas decorrentes de suas variações, resultam numa rica aprendizagem, na medida em que habilitam e habituam o olhar crítico, a dúvida e a reflexão. Nesse sentido, a literatura atua como mecanismo de aprendizado, segundo o que defende Antonio Candido.