A unidade da enunciação de Riobaldo, em Grande sertão: veredas, aparece cindida pela oposição complementar de dois princípios constitutivos, como um jogo com sinônimos (vários nomes para um ser só, "Deus") e homônimos (um só nome para coisas e eventos, "Diabo"). A oposição é talvez o principal operador metalinguístico do texto e é por ela que são articulados outros níveis de sentido do romance, como o das alegorias da filosofia neoplatônica, o da luta política no sertão, o do amor, o do mito e o da linguagem.
Figura emblemática presente no imaginário popular europeu, devido à ascensão do Cristianismo como religião dominante, o Diabo recebeu diversas definições e transformações que o moldaram através dos séculos. Na literatura modernista brasileira, em especial, na obra Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, temos de maneira bem significativa resíduos do Diabo medieval, seguindo os moldes do imaginário cristão vigente na Idade Média, adaptando-se, conforme encontramos na obra do referido autor, à mentalidade do povo cristão brasileiro em pleno século XX/XXI.Sendo assim, o intuito deste trabalho é demonstrar os aspectos residuais da representação do Diabo medieval no romance modernista de João Guimarães Rosa, tendo como método de pesquisa, a Teoria da Residualidade Cultural e Literária, sistematizada por Roberto Pontes e o método comparativo. Portanto, o estudo aqui previsto defende a hipótese de que a representação do Diabo no período medieval está residualmente presente na obra de Guimarães Rosa, bem como na mentalidade do povo brasileiro em plena atualidade.
Essa análise trata da travessia amorosa - e conflituosa – de Riobaldo entre Diadorim e Otacília. O mito de Lilith, a encarnação primeira do diabo feminino, está presente no triângulo amoroso em Grande Sertão: Veredas. E neste percurso, os personagens entram em outros personagens para construção de histórias dentro de outra história. Há uma analogia entre os mitos Adão e Lilith e Adão e Eva - conflito de um homem entre duas mulheres, sendo uma pactuada com o Diabo e outra celestial. No final, Riobaldo chega à salvação e à purificação.
Este trabalho mostra a importância do diabo em Grande sertão: veredas, como papel de universalizador da obra. Mostra que o diabo modificou o universo sócio-histórico-cultural, principalmente do Ocidente, e por isso teria sido utilizado por Guimarães Rosa como ponto central de sua obra, esta que se mostra tão universal quanto o diabo. Esta figura é apresentada como um ser que foi se modificando através do tempo, por isso optamos por chamar de máscara cada uma dessas mudanças, ressaltando que Rosa utilizou diversas dessas máscaras em seu romance. Este trabalho ressalta também como as máscaras foram construídas no romance, a partir da narração do protagonista, Riobaldo. Duas máscaras são trabalhadas de forma mais atenta, por serem consideradas de maior importância no romance: Diadorim e o pacto. Ambas foram analisadas a partir de suas dualidades, o que mostra a relevância dos paradoxos na obra do escritor mineiro, ambiguidades representadas pela própria imagem do demônio transfigurado em cobra, por causa de sua língua bífida.
Esta tese objetiva investigar as muitas manifestações religiosas do personagem-narrador
Riobaldo, no romance Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, e sua “inusitada” religiosidade. O foco central da pesquisa é a análise psicorreligiosa dos conteúdos presentes nas falas deste protagonista e, de alguns episódios simbólicos da narrativa. As investigações visam compreender as dúvidas e inquietações, que sempre perpassam o pensamento deste sujeito, considerado o representante universal do “homem humano”. Pressupostos teóricos psicanalíticos de Freud, Lacan, Ana-Maria Rizzuto e alguns seguidores respaldam a prática terapêutica do narrador no contar sobre sua vida. Já velho e, descansando em sua rede, ele precisa falar para se entender, superar suas dificuldades e “atravessar os fantasmas” de sua existência. Sua religiosidade, assim como sua psique, e as formas de compreensão do mundo são tão multifacetadas, que nenhuma religião lhe satisfaz completamente. Mas é através do amor e da reza, que ele busca compreender a realidade, pois considera a religião como “coisa do coração” e a condição de ser solitário e impotente é que o faz crer em Deus.
Como uma das possibilidades de escapar da execução de um possível contrato feito nas Veredas Mortas com o Diabo, o narrador-protagonista de Grande sertão: veredas conta sua longa estória ao seu compadre Quelemém e a um senhor da cidade. A esse último, Riobaldo força a narrativa, impõe seu julgamento, obriga os fatos, e faz dela remissão da sua vida. Essa narrativa – que se volta e se move sob si mesma, que transita de uma margem à outra, que parte e remonta o viver de seu narrador e personagem – é uma das possibilidades de salvação do pacto e da (não) existência do Diabo. Porquanto ela é constituída a partir da simulação, do fingimento e do logro, bem como marcada entre o indizível e o dizível. Assim, esse artigo analisa a narrativa mefistofélica de Riobaldo – um
narrador que conduz a estória ao figurar uma imagem do Diabo, ao crer no seu existir, ao pronunciar seu nome e aceitar seu ser. Contudo essa narrativa mefistofélica vulgariza a presença do Diabo, constrói a dúvida, questiona