Este artigo tem como objeto a alegria em Tutameia: terceiras estórias. É a
simpatia de João Guimarães Rosa por ela que também está em causa nas reflexões
tão fundamentais sobre o humor do primeiro prefácio, “Aletria e hermenêutica”. O
humor pode ser pensado como meio de influir a alegria tutameica e, simultaneamente,
como uma das formas em que ela se manifesta. Sob o viés do autor mineiro, a alegria
é fruto de certa hermenêutica, de um exercício de interpretação da realidade,
compreendida, por sua vez, como visceralmente contraditória. Em eterna invenção no
interior do sujeito, a alegria é empreendimento, risco, proeza. Angústia-que-ri, dá
sinal de si sempre a partir de uma profunda consciência do absurdo.
O artigo aborda a temática do humor e da alegria em “Tutameia: terceiras estórias” em estreita conexão com o arranjo formal da obra. Matizados pelas sombras da angústia, da dormência e do trágico, ali, ambos os conceitos, alegria e humor, tendem a ser distanciados da compreensão do senso comum, despontando de uma hermenêutica inteiramente atravessada pela consciência do absurdo. Essa visão de mundo intransparente, ambígua, ao mesmo tempo melancólica e venturosa, não está na base apenas da criação da afetividade dos personagens e da atmosfera narrativa, mas, igualmente, da organização formal de toda a obra, fazendo-se notar em sua estrutura lacunosa e em seu ritmo subjetivo, estranho e desconjuntado.
O objetivo principal deste artigo é analisar a alegria e o riso infantil na obra de João Guimarães Rosa, “Campo Geral”, pela perspectiva infantil existente na narrativa. Narrada em terceira pessoa, a história de Miguilim é orquestrada por um narrador onisciente seletivo (LEITE, 1994), em cuja construção híbrida (BAKHTIN, 2010) apresenta a narrativa a partir da perspectiva da criança. Nesse sentido, buscaremos observar e analisar neste estudo a percepção infantil acerca do riso e da alegria. Partindo das considerações de Mikhail Bakhtin (2013) e de George Minois(2003), intentaremos perpassar a história do riso e do risível a fim de reconhecer seus papéis sociais, o que nos auxiliará a analisar a temática e a função do riso na obra em estudo. Dessa forma, alinhando-nos com essa narrativa roseana, levaremos adiante a pesquisa proposta sobre a análise do riso infantil nessa obra para tentar compreender o papel do riso, bem como a sua função na superação das dificuldades e no processo de desenvolvimento da personagem Miguilim. Buscaremos, por fim, analisar como o riso infantil se converte nessa narrativa em elemento fundamental para a restauração da dor e da morte.
A busca constante da transformação do modo de ver o mundo faz da obra de Guimarães Rosa uma grande paideia, que incita o jogo do devir, o jogo de atravessar, o jogo das metamorfoses contínuas e comuns de toda forma de vida. O narrador rosiano põe o leitor em constantes rupturas da lógica e dos pragmatismos humanos, a fim de descontruir a automatização dos homens e do mundo. Assim, neste trabalho, o que se objetiva estudar é a representação das personagens rosianas em busca de sua construção como indivíduos, especialmente no que tange à sua nova compreensão do amor e da alegria, o que se pode verificar em contos da obra Primeiras estórias, e que em última análise pode ser visto como uma nova proposta de construção interior para o homem, diante de sua realidade.
Em “Campo Geral”, Guimarães Rosa amplia o sentido da enunciação ao construir um narrador em 3ª pessoa que faz a dupla mediação do seu ponto de vista pelos olhos infantis e encantados do menino Miguilim. Dessa forma, “Campo Geral” passa de uma narrativa adulta acerca da aprendizagem infantil da alegria para a narrativa encantada da criança a respeito da desconstrução da tristeza do
mundo oficial adulto e da apreensão do sentido ambivalente e regenerador da alegria e do riso infantis. A composição arquitetônica de Rosa é propositalmente desenvolvida de modo polifônico a fim de deixar transparecer a descoberta do mundo pelos olhos infantis, o que torna possível reconhecer o ponto de vista infantil e a sua opinião acerca da alegria como um processo de regeneração e o
riso como um rebaixamento que implicará a reconstrução da vida.
Esta tese visa a esmiudar, a partir de uma abordagem marcadamente intratextual, a questão do humor e da alegria em Tutaméia: terceiras estórias de Guimarães Rosa. No primeiro capítulo, apresentam-se considerações mais teóricas e gerais sobre o tema, que aparece, em Rosa, matizado pelas sombras da angústia, da dormência, do trágico: ambos, alegria e humor, espontam de uma hermenêutica inteiramente varada pela consciência do absurdo. No segundo capítulo, discute-se a relação entranhada da própria forma lacunar da obra com esse espírito intransparente, ao mesmo tempo melancólico e venturoso, que a constitui. No último capítulo, interpreta-se o prefácio "Aletria e hermenêutica", esquadrinhando os artifícios de composição de parte de suas anedotas, e trazendo à luz a fabulação paradoxal, chistosa e sublime do texto.
O que se propõe analisar neste trabalho é a busca constante da transmutação do modo de ver o mundo, que faz da obra de Rosa uma grande paideia, que incita o jogo do devir, o jogo de atravessar, o jogo das metamorfoses contínuas e comuns de toda forma de vida. O narrador rosiano põe o leitor em constantes rupturas da lógica, dos limites, dos pragmatismos humanos, a fim de descontruir a automatização dos homens e do mundo, gestando o aprendizado de uma nova leitura do mundo, que destrói os determinismos e lógicas da subordinação, decretando o fim da lógica do senhor e do escravo. Essa nova visão mito-poética faz o homem comum religar-se ao mundo, não como superior, mas como parte integrante que deve aprender o movimento dialético da vida: o nascer e morrer constantes, o transformar-se para perpetuar-se, o ir e vir contínuos e perpétuos. Assim, neste trabalho, o que se objetiva estudar é a representação das personagens rosianas em busca de sua construção como indivíduos, especialmente no