Este artigo propõe um estudo comparativo entre os contos A terceira margem do rio, de João Guimarães Rosa, e Nas águas do tempo, de Mia Couto. Partiremos das imagens metafóricas do rio e da água para pensarmo o tempo e a tradição. Nossa hipótese é a de que, enquanto um dos contos, através dos referidos elementos presentes na narrativa, representa a ideia de um resgate da tradição, o outro evocaria uma ruptura, impossibilitando assim uma continuidade. Perceberemos que as imagens do rio e da água tomarão cursos distintos no decorrer das narrativas. Nas águas do tempo apresenta um final no qual notamos uma continuidade do fluxo das águas, isto é, uma espécie de resgate da tradição, uma continuidade. Por outro lado, A terceira margem do rio mostrará o contrário, interrompendo o fluxo do rio e suas águas, se mostrando como uma descontinuidade, ou seja, uma ruptura com a tradição. Nosso intuito será mostrar que, enquanto um autor procura marcar ideologicamente sua posição diante do resgate da tradição como um programa de resgate e formação de uma identidade nacional, alicerçado na transmissão de experiências vividas, como é o caso de Mia Couto em Moçambique, Guimarães Rosa mostrará a perda da continuidade da tradição, que podemos tomar como a busca por uma identidade individual, fragmentada e sem uma ligação duradoura com o passado.
Partindo da análise do conto “A Terceira Margem do Rio”, de Guimarães Rosa, pretendemos refletir sobre o arranjo actancial e tensivo do acontecimento extraordinário (ou apenas acontecimento, nos termos de Zilberberg), seja em seu polo eufórico ou disfórico. A ocorrência desse evento necessariamente implica um jogo de presença atual ou potencial dos valores da ruptura e da convenção. Acreditamos que esse conto consubstancia as forças actanciais que estão em funcionamento quando esses valores estão em cena. Dessa forma, ele pode funcionar como baliza para futuros estudos sobre o evento extraordinário.
O Núcleo de Estudos de Teoria Linguística e Literária, NETLLIDGP/CNPq, concebeu MACABÉA ? Revista Eletrônica do Netlli como um instrumento através do qual nos pudéssemos contribuir com os estudos da linguagem orientados por uma inspiração bakhtiniana, sem descartar, evidentemente, outras inspirações igualmente legítimas. O periódico nasceu, portanto, com um horizonte amplo, capaz de captar e receber a colaboração advinda da comunidade científica do campo da Linguística e da Literatura, mas também vem à luz fortemente motivado pelo anseio de colaborar com outras iniciativas de linhagem bakhtiniana.