Em Primeiras estórias, "Os Irmãos Dagobé" e "Fatalidade" podem ser lidas superficialmente como paródias de bangue-bangue em que os atores não correspondem aos estereótipos do gênero. No entan- to, as marcas da identidade cultural do sertão bravo, tipo faroeste ame- ricano, constituem, sobretudo, o cenário útil para nele enquadrar a di- nâmica espiritual que Rosa frisava como característica da coletânea. Em ambas as estórias, o narrador oculta essa dinâmica: posicionando- se como porta-voz de uma gente ?fatalista?, resignada a sofrer os des- mandos dos valentões em ?Os Irmãos Dagobé?; adoptando, em ?Fatalidade?, a tônica humorística de uma testemunha que se distancia em relação aos acontecimentos relatados, fazendo de conta que não enten- de em que consiste o ?fatalismo? do delegado protagonista. O discurso desses dois narradores, ao mesmo tempo, solicita a perspicácia do leitor ? através da onomástica, das falas dos personagens, dos enigmas lingüísticos colocados na narração ? apontando para um conteúdo oculto a ser revelado. Assim, partindo de causos que questionam a justiça e as leis humanas, ?Os Irmãos Dagobé? e ?Fatalidade?, funcionam como parábolas que convidam a refletir, em particular, sobre a problemática do livre arbítrio e da graça divina, na exploração da terceira margem do Ser Tão, ali onde o cristianismo encontra as fontes greco-orientais da Philosophia Perennis.
O Grande Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, se passa na crise apocalíptica jagunça, numa temporalidade cíclica viquiana (1999): divina, heroica e racional, percorrendo as sete etapas correspondentes à abertura de cada selo. O primeiro é o do Anticristo, Hermógenes; o segundo trata da guerra, como a de Zé Bebelo contra os chefes sertanejos e a de Riobaldo e Diadorim contra os Judas, Hermógenes e Ricardão; o terceiro é o da escassez, sendo a fome e a sede comuns no Sertão; o quarto libera a peste, que aparece sobretudo nas veredas do Sucruiú; e assim por diante. Utilizando os conceitos de paródia e estilização, definidos por Bakhtin (2005 e 2010) e Tynianov (1969), é possível rastrear os traços bíblicos deste romance rosiano.