Resumo: neste trabalho propomos discutir um romance brasileiro, Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, obra delimitada entre os entroncamentos do Noroeste de Minas Gerais, o sudoeste da Bahia e o sudeste de Goiás. Pelo termo, a Bíblia de Guimarães Rosa, entenda ser uma obra literária com suas tramas, intrigas e personagens, um clássico da literatura brasileira que discute os dilemas do homem humano em seus embates histórico-metafísicos entre o mundo rural e a cidade. Romance que apresenta a religião na arte literária, e vice-versa, formando assim uma modalidade de representação artística de tempos e espaços sagrados nas esferas da dialética entre ficção e realidade, entre arte e vida. O único romance de Guimarães Rosa será objeto de nossa análise neste texto, seguiremos a releitura dos autores da fortuna crítica da obra de Guimarães Rosa, assim como o conceito de clássico a partir de autores da Teoria da Literatura e da Hermenêutica, portanto desejamos apresentar ao leitor deste texto um livro basilar da literatura e cultura brasileira: O Grande Sertão: Veredas.
O trabalho apresenta os primeiros resultados da pesquisa de doutorado em andamento na PUC Minas que busca investigar parte dos arquétipos, mitos e metáforas da Bíblia que podem ser encontrados em Grande sertão: veredas. Segundo Northrop Frye (2004), a Bíblia, com sua imensa quantidade de mitos, arquétipos e metáforas, se constituiu um "universo mitológico" que serviu de inspiração para toda a literatura ocidental, no qual consciente ou inconscientemente escritores têm buscado e reproduzido em suas composições literárias. Para Jung (2000), os arquétipos se definem como expressões do inconsciente coletivo da humanidade que repetem e representam experiências de tempo imemoriais. Essas formas podem ser encontradas nos mitos da cultura coletiva e são buscados e reatualizados, segundo Mirceia Eliade (1972) e também Nietzsche (2012), em seu conceito do “Eterno retorno”. Considerando essas características fundamentais propomos a releitura de dois episódios emblemáticos de Grande sertão: veredas: a travessia do rio com o menino na canoa, e a travessia do Liso do Sussuarão, buscando referências no arquétipo bíblico da travessia do povo hebreu pelo deserto para se alcançar a terra prometida, o qual metonimicamente poderia representar a travessia de toda a humanidade pelo deserto da provação para se alcançar o paraíso e seu criador. Esperou-se assim, enriquecer e lançar novas veredas interpretativas e reflexões, sobre o sertão que habita dentro de cada um de nós e a grande travessia da vida, tal como apresenta Guimarães Rosa.
A criação de novas palavras é comum no processo de escrita de João Guimarães Rosa. Os neologismos que estruturam as obras do autor mineiro surgem da linguagem sertaneja, da reprodução de sons ouvidos e imaginados ou mesmo da combinação de raízes pertencentes a outras línguas. Isto se deve ao fato de que Rosa, além de poliglota, era atento ouvinte das conversas desenvolvidas no sertão mineiro. Na maioria das vezes, descobrir a origem de suas inventivas palavras favorece a compreensão das narrativas nas quais estão inseridas, e esse é o propósito das investigações do presente artigo, que busca uma conceituação da expressão Dão-lalalão – título para uma das novelas de Corpo de Baile. Para a construção de um conceito para o termo, será considerada a intertextualidade com a novela A estória de Lélio e Lina (2016), bem como a possibilidade de relação com antigas raízes da língua hebraica, cujo sentido emerge em narrativas bíblicas. No decorrer da investigação, será fundamental a percepção de que o significado de Dão-lalalão estende-se sobre as personagens principais da novela, Doralda e Soropita, justificando suas atitudes e personalidades. Este estudo, portanto, além de oferecer uma reflexão detalhada sobre o título de Dão-lalalão (2016), constitui-se também em uma proposta de interpretação para a novela.
O Grande Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, se passa na crise apocalíptica jagunça, numa temporalidade cíclica viquiana (1999): divina, heroica e racional, percorrendo as sete etapas correspondentes à abertura de cada selo. O primeiro é o do Anticristo, Hermógenes; o segundo trata da guerra, como a de Zé Bebelo contra os chefes sertanejos e a de Riobaldo e Diadorim contra os Judas, Hermógenes e Ricardão; o terceiro é o da escassez, sendo a fome e a sede comuns no Sertão; o quarto libera a peste, que aparece sobretudo nas veredas do Sucruiú; e assim por diante. Utilizando os conceitos de paródia e estilização, definidos por Bakhtin (2005 e 2010) e Tynianov (1969), é possível rastrear os traços bíblicos deste romance rosiano.