A função do “pai”, na família patriarcal, seria representar a lei fundamental: interditos considerados necessários para a própria constituição do sujeito e da civilização. Tendo em vista as representações dessa “função paterna” nas narrativas dos contos Hora de dormir, de Santiago Villela Marques, e A terceira margem do rio, de João Guimarães Rosa, pretende-se analisa-la comparativamente. Interessante perceber, em um primeiro momento, que ambos os escritores apresentam marcas de regionalismo em suas obras capazes de colocar em xeque o projeto moderno de civilização brasileira. Mesmo que Rosa seja canônico por excelência, e Marques esteja ainda passando por um processo de reconhecimento pela crítica, a análise comparativa entre os dois textos pode ser considerada pertinente e enriquecedora para os estudos literários. Nesse sentido, faz-se pertinente perceber que a “monstruosidade” do pai, no conto de Rosa, estaria intimamente vinculada ao silêncio, ao abandono da cultura e de sua lógica binária, incapaz de dar sentido existencial satisfatório aos membros dessa família de cunho patriarcal. Essa “monstruosidade” remeteria a família a um inaceitável momento aquém da cultura, ou seja, animalesco, já que o patriarca se apresentaria muito mais próximo do estado de natureza. No conto de Marques, a “monstruosidade” do pai residiria muito mais no fato de fazer uso indiscriminado e irascível da violência física, não para promover um dito bem-estar ou bom funcionamento da instituição familiar de acordo com preceitos pré-determinados, mas sim para assinalar sua dita posição hierárquica diante da condição objetal da mãe e do filho Danilo. Nesse sentido, a figura do pai é apresentada como alguém que, apesar de representar socialmente a regra, a lei e a ordem estruturantes da família patriarcal, promoveria o contrário, ou seja, a sua desestruturação e instabilidade. Na narrativa de Rosa, essa cultura também é problematizada, mas de uma maneira mais enigmática e silenciosa. Se, no conto de Marques, a “civilização” estaria irreversivelmente deformada em razão do caráter violento do pai, no texto roseano as instituições sociais falhariam na tentativa de decodificar, classificar e controlar o ato do patriarca, ficando, também, irreversivelmente questionadas e esvaziadas de sentido. Dessa forma, percebe-se que, em ambos os textos, a civilização de cunho patriarcal se encontra falida em sua capacidade de significar o mundo e gerenciar as relações sociais de modo satisfatório.
"Sarapalha", quarto conto do livro Sagarana, de João Guimarães Rosa, insere-se em um espaço no qual as marcas humanas estão em processo de dissolução e a força da natureza está prestes a devolver as edificações ? e as pessoas que ainda sobrevivem ao barro original. No entanto, quanto mais o mundo se desfaz à sua volta, mais recrudescem nas personagens protagonistas - Primo Argemiro e Primo Ribeiro - os arcaicos valores patriarcais, sob o signo dos quais este mundo se constituiu.
O objetivo desse trabalho é analisar a imagem construída da prostituição nas obras Dão-Lalalão (o devente) e A estória de Lélio e Lina, contos da obra Corpo de Baile (1956) de João Guimarães Rosa. Será um trabalho sinuoso, pois se tentará apanhar os significados que estão por debaixo dos fatos banais que são contados pelos narradores, ou até mesmo, por de trás de suas omissões: sob uma camada de cordialidade há uma crueldade gerada pelo preconceito de gênero e de cor. Tentaremos demonstrar como a idealização do mundo da prostituição construída por esses narradores e personagens, nas duas obras, serve de azeite para as engrenagens do mundo da opressão patriarcal, que tem como centro de recreação o prostíbulo.