Este artigo busca analisar o universo rosiano, imortalizado pelas páginas de Grande Sertão: Veredas, verificando, especialmente, a formação dos homens no ambiente sertanejo (re) criado por Guimarães Rosa. Pretende-se examinar quem são, como são, de que forma sobrevivem e, principalmente, como e por que as principais personagens masculinas criadas pelo autor são marcadas pela violência, a dureza e, não raro, a crueldade. Tomar-se-á como base teórica, entre outros, os estudos desenvolvidos por Antonio Candido em “O Homem dos Avessos”, os de Manuel Cavalcanti Proença, em “Don Riobaldo do Urucuia, Cavaleiro dos Campos Gerais”, de Sandra Guardini Vasconcelos, em “Homens Provisórios: Coronelismo e Jagunçagem em Grande Sertão: Veredas”, de Euclides da Cunha, em Os Sertões, bem como os estudos de Gilberto Freyre, em Casa Grande & Senzala.
A função do “pai”, na família patriarcal, seria representar a lei fundamental: interditos considerados necessários para a própria constituição do sujeito e da civilização. Tendo em vista as representações dessa “função paterna” nas narrativas dos contos Hora de dormir, de Santiago Villela Marques, e A terceira margem do rio, de João Guimarães Rosa, pretende-se analisa-la comparativamente. Interessante perceber, em um primeiro momento, que ambos os escritores apresentam marcas de regionalismo em suas obras capazes de colocar em xeque o projeto moderno de civilização brasileira. Mesmo que Rosa seja canônico por excelência, e Marques esteja ainda passando por um processo de reconhecimento pela crítica, a análise comparativa entre os dois textos pode ser considerada pertinente e enriquecedora para os estudos literários. Nesse sentido, faz-se pertinente perceber que a “monstruosidade” do pai, no conto de Rosa, estaria intimamente vinculada ao silêncio, ao abandono da cultura e de sua lógica binária, incapaz de dar sentido existencial satisfatório aos membros dessa família de cunho patriarcal. Essa “monstruosidade” remeteria a família a um inaceitável momento aquém da cultura, ou seja, animalesco, já que o patriarca se apresentaria muito mais próximo do estado de natureza. No conto de Marques, a “monstruosidade” do pai residiria muito mais no fato de fazer uso indiscriminado e irascível da violência física, não para promover um dito bem-estar ou bom funcionamento da instituição familiar de acordo com preceitos pré-determinados, mas sim para assinalar sua dita posição hierárquica diante da condição objetal da mãe e do filho Danilo. Nesse sentido, a figura do pai é apresentada como alguém que, apesar de representar socialmente a regra, a lei e a ordem estruturantes da família patriarcal, promoveria o contrário, ou seja, a sua desestruturação e instabilidade. Na narrativa de Rosa, essa cultura também é problematizada, mas de uma maneira mais enigmática e silenciosa. Se, no conto de Marques, a “civilização” estaria irreversivelmente deformada em razão do caráter violento do pai, no texto roseano as instituições sociais falhariam na tentativa de decodificar, classificar e controlar o ato do patriarca, ficando, também, irreversivelmente questionadas e esvaziadas de sentido. Dessa forma, percebe-se que, em ambos os textos, a civilização de cunho patriarcal se encontra falida em sua capacidade de significar o mundo e gerenciar as relações sociais de modo satisfatório.
Em Grande Sertão: Veredas, a forma de narrar é contaminada pela experiência de vida (sempre em contato com a morte) do jagunço Riobaldo no sertão assolado pela violência e dominado pelo latifúndio e pelo coronelismo, mas também é contaminada pela travessia de classe por que passa o protagonista, que vai de “raso jagunço atirador” a narrador-latifundiário. Nesse sentido, este estudo desenvolve o argumento de Jaime Ginzburg, para quem a experiência cotidiana de Riobaldo sob a iminência da morte, em função da sua condição de jagunço, afeta decisivamente sua subjetividade, impedindo um olhar estável e/ou neutro em relação à matéria narrada. Ao risco de morte conjuga-se o caráter diabólico da experiência de Riobaldo, marcado pelo erro e pela desordem. Ainda em relação à organização narrativa do romance, apresento o argumento de que o aspecto que garante o poder de narração a Riobaldo não é sua condição jagunça, de “homem provisório”, é, sobretudo, sua condição de proprietário, “senhor de terras definitivo”.
Este artigo propõe uma análise comparativa de Grande Sertão:Veredas, obra de Guimarães editada em 1956, e O louco do Cati, romance publicado por Dyonelio Machado em 1942 e considerado pelo escritor mineiro como um dos melhores livros de literatura brasileira.
O Modernismo brasileiro trouxe um interesse ainda mais claro da literatura pela realidade social do país, e fez isso através da inclusão definitiva das classes marginais no tema artístico. Associado à intensa necessidade de reinventar a forma e explorar a linguagem, esse conteúdo tornou-se decisivo para a consolidação de uma literatura autenticamente brasileira, pois um dos comportamentos fundamentais da arte realista é exatamente o não distanciamento do autor do mundo que o cerca. Foi sobre as bases lançadas pelo Modernismo e através de uma profunda discussão dos problemas sociais do país, que autores como João Cabral de Melo Neto e Guimarães Rosa puderam desenvolveruma literatura de alcance estético elevado. Nessa análise, veremos em que medida os dois autoresaproximam-se e em que medida distanciam-se em sua forma de abordar essa realidade.
Este estudo se propõe à análise das narrativas de violência e suas indeterminações na obra de Guimarães Rosa. Para tanto, estabeleceu-se uma aproximação entre o escritor mineiro e o filósofo franco-argelino Jacques Derrida. A partir do caráter altamente indecidível e indeterminante da escritura de João Guimarães Rosa, a leitura de Grande Sertão: Veredas e de narrativas como Desenredo, a série Zoo de Ave, Palavra, Meu tio o Iauaretê foi feita a luz de operadores textuais derridianos, tais como destinerrância, ex-apropriação, différance, soberania, acontecimento, falogocentrismo. Tal indecidibilidade terminou por fazer duas frentes de leitura: de um lado, leu-se o texto rosiano à luz da escritura derridiana, de outro, pode-se afirmar que também o texto derridiano foi lido à luz da escritura rosiana. Para tanto, foi necessária a atenção à força dos paradoxos e das aporias dessas duas escritas, de tal modo que o trabalho não faz a pergunta metafísica que é da ordem do que é? ou do como é? a violência na escritura rosiana. Assim, a análise se desdobra na tarefa de verificar como o texto rosiano põe em questão uma série de postulados da metafísica que regula os sentidos e aponta para um caminho em que estes deslizam e não se fixam em categorizações rígidas, valendo o axioma: "tudo é e não é".
Instituto de Estudos da Linguagem / Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária
Esta dissertação trata da relação entre política e forma literária no romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Parte-se do pressuposto básico de que há a apreensão de um modus operandi específico da política no texto rosiano: a saber, do processo de modernização, entendido em duas chaves: uma chave horizontal, que trata da distensão e enrijecimento das relações patriarcais de poder; e outra vertical, que diz respeito à força que penetra nos vãos legados pelas relações cordiais e remete ao funcionamento íntimo da soberania moderna, marcado pelo fortalecimento da lei através do embaralhamento das fronteiras éticas. Esta dupla remissão do conceito de modernidade obrigou um aporte metodológico transversal no tratamento da obra: buscou-se evidenciar os temas que, diferenciando-se de acordo com a camada do texto em que se encontravam, não deixavam de tocar no mesmo corpo de problemas. Assim se dividiu este trabalho em três principais seções: 1) o poder, na qual se buscou jogar luz sobre os rudimentos históricos básicos que alimentam a narrativa rosiana; 2) a lei, em que se empreendeu o trabalho de entrever o significado das guerras e de sua manipulação da violência frente à sobreposição do novo arranjo soberano às formas decadentes do direito cordial; 3) o amor, parte sobre a qual recaiu a importância da análise do regime da diferença no romance, intimamente ligado à maneira como se mobiliza a reação da forma rosiana ao estado ético da modernidade. O afunilamento de tais questões fez incidir sobre um só problema todas as tensões deste trabalho: o porquê da grande responsabilidade ética legada à palavra por parte de Guimarães Rosa. Tenciona-se, ao se apontarem os pontos de fuga desta questão, evidenciar os horizontes políticos que a obra rosiana oferece.
O presente trabalho propõe-se a realizar uma análise de contos integrantes da literatura brasileira contemporânea, a saber: A hora e vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa; O cobrador, de Rubem Fonseca; e A maldição de Tibério, de Arturo Gouveia. Baseando-nos na categoria da violência, que é comum às narrativas enfocadas, procuramos investigar como esta se instaura como elemento intrínseco, afetando o conteúdo e a forma dos textos. Após o estudo dos contos, mormente a partir da ação dos heróis, traçamos um paralelo, a fim de evidenciar as peculiaridades da configuração da violência engendrada nos referidos. Concluímos que a
compreensão da categoria da violência é fulcral para as narrativas contemporâneas em tela, tanto sob o aspecto temático quanto composicional, o que corrobora,considerando especialmente este último aspecto, a atipicidade estética.
Estudo da brasilidade, em suas diferentes representações, através das relações de descontinuidade e permanência observadas em narrativas da autoria de Guimarães Rosa e Rubem Fonseca, que mimetizam determinadas formas de manifestação de violência, tendo como fundamentos identidade, literatura e estudos culturais. A partir da definição de violência, que varia de acordo com os paradigmas culturais de cada sociedade, delineou-se um histórico das construções discursivas que legitimam ou condenam suas manifestações, desde a República Velha até o regime militar, período no qual se contextualizam as obras dos autores citados. Reflexões embasadas numa metodologia interdisciplinar, sobre a moral da honra e da vingança, a luta por transformações sócio-político-econômicas e estratégias de sobrevivência num meio adverso, visam demonstrar a mudança que afetou a identidade cultural brasileira, submetida a um intensivo processo de industrialização e urbanização na extensão temporal referida. Articulando postulados teóricos das ciências humanas e estudos relevantes da fortuna crítica desses escritores, efetuou-se uma abordagem comparativa de determinadas estórias que, além de reiterar os antagonismos evidentes, revela também a existência de pontes entre as margens representadas por estes dois leitores do Brasil.
João Guimarães Rosa inscreve-se no panorama literário brasileiro como escritor que reinventa o idioma. Caracterizando-se como um sistema, a literatura abriga em seu cerne um código literário. Diante deste código, o autor pode assumir condutas diferentes. Guimarães Rosa age no sentido de transformar as convenções estéticas e normas que o código prescreve no seio do sistema, explorando, por exemplo, as potencialidades da Língua, procurando cadenciá-la ao pensamento da personagem, construindo assim uma sintaxe que transborda de força estética, manifestação da dissolução de fronteiras que o autor propõe. Esta comunicação tem por objetivo entrever no discurso de Soropita, herói de Dão-Lalalão(Lão-Dalalão), marcas da violência de sua trajetória como ex-pistoleiro, bem como seu projeto de ser homem, sua virilidade, e as estratégias de inserção que a personagem utiliza para se estabelecer no sistema social brasileiro.
A percepção de que as experiências vivenciadas pelo homem na modernidade transfiguraram as narrativas literárias temática e formalmente, estabelece o escopo para requisitar a alegoria como instância explicativa dessa nova realidade. Sobrepujando o símbolo como recurso para consignar validade estética à arte, no livro Origem do drama trágico alemão, Walter Benjamin vislumbra a alegoria como a revelação de uma verdade oculta que não representa as coisas apenas como elas são, mas oferece, também, uma versão de como elas foram ou poderiam ser. Como ressonância dos fundamentos implicados nessa leitura, este trabalho adota a alegoria como categoria analítica visando identificar as diversas formas como a violência se presentifica no conto A hora e a vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa. Como linha de força da contextura material que enlaça a narrativa, a nossa interpretação manterá diálogo com os condicionantes históricos de uma época em que os valores sociais no Brasil estavam em franca transição, exigindo adequações estéticas capazes de incorporar a visão de um sertão místico, violento e encantatório.