A função do “pai”, na família patriarcal, seria representar a lei fundamental: interditos considerados necessários para a própria constituição do sujeito e da civilização. Tendo em vista as representações dessa “função paterna” nas narrativas dos contos Hora de dormir, de Santiago Villela Marques, e A terceira margem do rio, de João Guimarães Rosa, pretende-se analisa-la comparativamente. Interessante perceber, em um primeiro momento, que ambos os escritores apresentam marcas de regionalismo em suas obras capazes de colocar em xeque o projeto moderno de civilização brasileira. Mesmo que Rosa seja canônico por excelência, e Marques esteja ainda passando por um processo de reconhecimento pela crítica, a análise comparativa entre os dois textos pode ser considerada pertinente e enriquecedora para os estudos literários. Nesse sentido, faz-se pertinente perceber que a “monstruosidade” do pai, no conto de Rosa, estaria intimamente vinculada ao silêncio, ao abandono da cultura e de sua lógica binária, incapaz de dar sentido existencial satisfatório aos membros dessa família de cunho patriarcal. Essa “monstruosidade” remeteria a família a um inaceitável momento aquém da cultura, ou seja, animalesco, já que o patriarca se apresentaria muito mais próximo do estado de natureza. No conto de Marques, a “monstruosidade” do pai residiria muito mais no fato de fazer uso indiscriminado e irascível da violência física, não para promover um dito bem-estar ou bom funcionamento da instituição familiar de acordo com preceitos pré-determinados, mas sim para assinalar sua dita posição hierárquica diante da condição objetal da mãe e do filho Danilo. Nesse sentido, a figura do pai é apresentada como alguém que, apesar de representar socialmente a regra, a lei e a ordem estruturantes da família patriarcal, promoveria o contrário, ou seja, a sua desestruturação e instabilidade. Na narrativa de Rosa, essa cultura também é problematizada, mas de uma maneira mais enigmática e silenciosa. Se, no conto de Marques, a “civilização” estaria irreversivelmente deformada em razão do caráter violento do pai, no texto roseano as instituições sociais falhariam na tentativa de decodificar, classificar e controlar o ato do patriarca, ficando, também, irreversivelmente questionadas e esvaziadas de sentido. Dessa forma, percebe-se que, em ambos os textos, a civilização de cunho patriarcal se encontra falida em sua capacidade de significar o mundo e gerenciar as relações sociais de modo satisfatório.
Publicado pela primeira vez no ano de 1956, Grande sertão veredas, de João Guimarães Rosa, traz um jogo de deslizamentos capaz de revelar incertezas, mesmo daquilo que parecia ser naturalizado. A partir disso, vemos que as categorias de civilização e barbárie perdem, na obra, sua rigidez, resvalando entre o jagunço do sertão mineiro e o homem letrado do meio urbano. Dessa forma, tencionamos ler o romance de Rosa sob a chave de um projeto baseado no espaço geográfico regional, o Sertão, que se contrapõe ao projeto de modernização, pautado no desenvolvimento do meio urbano, que prometia avançar cinquenta anos de progresso em apenas cinco anos de governo. Para tanto, por meio da contribuição dos pressupostos teóricos de Antonio Candido, será possível problematizar as categorias humanas civilização e barbárie. Paralelamente, com um arcabouço teórico composto por Heloisa Starling e Silviano Santiago, almeja-se analisar o enlace entre o sertão rosiano e o projeto de modernização em andamento no Brasil no decênio de 1950. A partir de uma pesquisa de natureza bibliográfica e interpretativa, portanto, pretende-se analisar os deslizamentos e as tensões entre civilização e barbárie, modernização e jagunçagem presentes em Grande sertão veredas.