CrônicasESPÍRITO ESPORTIVO

O locutor que ‘revolucionou’ o rádio esportivo no Brasil

Por Marcelo Cardoso

Dia 9 de julho completa-se mais um aniversário da Revolução de 1932 e, por isso, aproveito o tema para lembrar de um locutor pioneiro do rádio esportivo brasileiro e muito conhecido pelos paulistas: Nicolau Tuma (1911 – 2006).

A Revolução de 1932 foi um dos maiores movimentos armados da história do País e teve origem dois anos antes, em 1930, quando o presidente Washington Luís rompeu a conhecida “política do café com leite”. São Paulo era o principal produtor de café e Minas Gerais tinha o maior rebanho bovino, por isso o nome.

Os dois Estados se alternavam no poder, mas o presidente paulista rompeu a aliança e indicou para a Presidência o governador de São Paulo Júlio Prestes, que venceu. O desaforo não foi engolido pela oposição e houve um golpe: mineiros, gaúchos e paraibanos depuseram o presidente eleito. Getúlio Vargas, um político em ascensão, assumiu e decretou medidas autoritárias que desagradaram a tradicional elite paulista e setores militares de São Paulo.

A situação se tornou insustentável e no dia 9 de julho de 1932 explodiu a Revolução Constitucionalista. As tropas de Vargas eram mais numerosas e o apoio de outros Estados a São Paulo, e seus poucos aliados, não veio, por isso as forças paulistas se renderam, mas, certas reivindicações foram atendidas.

E se você chegou até aqui, deve estar se perguntando: o que o locutor Nicolau Tuma tem com isso?

O rádio teve papel importante na mobilização da população paulista para o movimento. Tuma leu, ao vivo, a declaração inicial da Revolução Constitucionalista de 32 e, junto com outros dois colegas, fez parte da história como relata Ruy Castro na biografia sobre a cantora Carmen Miranda:

Quando São Paulo pegou em armas contra o governo federal, uma voz obrigou boa parte do Brasil a dormir mais tarde: a do jovem locutor paulista Cesar Ladeira, pela Rádio Record. Durante aqueles três meses, revezando com seus colegas Renato Macedo e Nicolau Tuma, ele foi o microfone oficial dos revoltosos (CASTRO, 2005, p. 95).

Tuma possuía a incrível capacidade de ler rapidamente e se fazer entender, por isso, ganhou o apelido de ‘speaker metralhadora’, uma alusão ao verbo inglês que se traduz ‘falar’ (não havia o termo ‘locutor’). Ao longo da vida ele também foi repórter de jornal, advogado, político, publicitário, diretor de emissora, entre outros cargos que ocupou nos setores público e privado.

O locutor tinha um estilo realista, objetivo e não usava figuras de linguagem. “O narrador nada mais é do que um fotógrafo do que acontece. Ele fotografa com a voz e comunica tudo o que está havendo”, anotou a professora Edileuza Soares (1994, p. 62) em seu livro ‘Bola no Ar: o rádio esportivo em São Paulo’.

Arte: Freepik

Com apenas 20 anos Tuma foi o primeiro a narrar pelo rádio um jogo inteiro de futebol. Foi em 1931 quando as seleções de São Paulo e do Paraná se enfrentaram e os paulistas venceram a partida. O jogo foi transmitido pela Rádio Sociedade Educadora Paulista. Os ouvintes diziam que compreendiam bem a narração que chegava a ter 250 palavras por minuto. Lembremos que naquela época outros profissionais, como o comentarista e o repórter, ainda não existiam.

Na Copa do Mundo de Futebol, em 1938, Tuma não viajou para a França porque a Rádio Cultura de São Paulo, onde trabalhava, não enviou os seus profissionais. Conta a pesquisadora Gisela Ortriwano (1948 – 2003) que o speaker, então, improvisou e “decidiu filmar oralmente o jogo, sendo obrigado, para alcançar seu intento, a narrar em alta velocidade. E, se no campo a bola parasse, tinha que continuar falando, pois o rádio não pode dar branco no ar. Vinhetas, efeitos sonoros? Não tinham sido inventados”. (ORTRIWANO, 2000)

O locutor ‘metralhadora’ adotava uma técnica, até hoje usada no rádio: o estímulo do ouvinte a criar imagens mentais. Falava ao microfone, antes do jogo iniciar, para que o ouvinte imaginasse uma caixinha de fósforos e a comparava com o campo de jogo. Tuma, então, contava o que havia em cada lado da caixa – incluindo as equipes e as torcidas – e a mente de cada ouvinte atribuiria um colorido àquela narração.

Nicolau Tuma marcou o rádio esportivo em uma época em que menos importava a tecnologia e havia mais espaço para a criatividade. O locutor continuou aos microfones até 1942, quando se despediu durante a transmissão do jogo Palmeiras e SPR (São Paulo Railway). O SPR se tornaria o Nacional Atlético Clube que tem a sua origem ligada aos primeiros tempos do futebol no Brasil.

Para conhecer mais sobre o tema:

Carmen: uma biografia. (Ruy Castro) Companhia das Letras, 2005.

Os donos do espetáculo: história da impressa esportiva no Brasil. (André Ribeiro) Terceiro Nome, 2007.

Bola no Ar: o rádio esportivo em São Paulo. (Edileuza Soares) Summus, 1994.

ORTRIWANO, Gisela Swetlana. França 1938, III Copa do Mundo: o rádio brasileiro estava lá. Universidade de São Paulo, 2000. Disponível: <http://bocc.ubi.pt/pag/ortriwano-gisela-copa1938.html>

Revolução de 1932. O Estado de S. Paulo. Disponível em: <https://acervo.estadao.com.br/noticias/topicos,revolucao-de-1932,892,0.htm>

Marcelo Cardoso é jornalista e professor universitário. Pesquisa o jornalismo e o rádio em suas várias interfaces com o esporte