CrônicasOLIMPÍADA & CAIPIRA

Os mitos e lendas dos Jogos Abertos – O “Celeiro”

Por Gustavo Longo

Em oito décadas de trajetória, os Jogos Abertos do Interior ganharam diferentes alcunhas entre os atletas, torcedores e jornalistas. “Olimpíada caipira” certamente é o principal deles. Mas há outra característica que marcou profundamente a relação do evento com as cidades e atletas interioranos: a revelação de futuras estrelas do esporte nacional que dificilmente seriam descobertas.

Hoje, ser um celeiro para jovens esportistas é a marca registrada da competição – e o que faz ela continuar despertando o interesse de dirigentes e atletas em um cenário de intensa espetacularização esportiva como a que vivemos atualmente. Desde 1936, os Jogos Abertos passaram por uma intensa metamorfose, mas felizmente manteve essa capacidade de dar espaço a novos nomes.

Esta é a quarte parte do especial desta coluna sobre os mitos e lendas dos Jogos Abertos, a maior competição poliesportiva do país. Nas semanas anteriores abordei a participação das cidades de outros estados na competição organizada pelo governo paulista, a relação entre Interior x Capital que marca a trajetória e a presença de atletas renomados do esporte nacional.

Revelar futuros atletas é uma consequência direta do principal objetivo de Baby Barioni ao criar um campeonato aberto às cidades interioranas. Reafirmo aqui novamente: o intuito era promover uma maior formação esportiva a estes municípios, permitindo um espaço em que eles pudessem competir e trocar experiências, desenvolvendo as modalidades em diferentes regiões.

Evidentemente, a partir do momento em que estes atletas ganharam um torneio anual, eles puderam evoluir e mostrar suas habilidades a dirigentes, juízes e demais competidores. Aqueles que se destacavam chamavam a atenção das federações e clubes esportivos da capital. Assim, passavam a integrar a seleção brasileira em competições internacionais e até eram convidados a treinar em locais com maior estrutura, ainda que o esporte olímpico fosse estritamente amador naquela época.

Da lista de grandes nomes do esporte brasileiro que citei na coluna passada, a grande maioria teve esse destino. Como existiam poucos torneios para jovens atletas, eles aproveitavam as oportunidades que eventos como os Jogos Abertos do Interior proporcionavam. Tetsuo Okamoto, por exemplo, sempre afirmou em entrevistas que era a chance que ele tinha para poder viajar mais e conhecer novas pessoas e culturas.

O próprio crescimento da competição reforçou essa característica. Era muito mais barato e atrativo para as cidades participarem dos Jogos Abertos do Interior do que enviar um número reduzido de pessoas nos poucos eventos destinados às categorias infantil, juvenil e júnior que existiam até então nas mais diversas modalidades.

Isso explica porque Nelson Prudêncio, Agberto Guimarães, Paula, Hortência, entre outros seguiram competindo nos Jogos Abertos mesmo sendo estrelas nacionais. Eram poucos os torneios que eles tinham no Brasil ao longo do ano!

Esta ideia prosseguiu com força até a década de 1990. Contudo, a entrada de patrocínios na prática esportiva e sua exploração maciça pelos meios de comunicação, sobretudo a televisão, a partir dos anos 80 começaram, pouco a pouco, a mudar essa realidade. As federações foram forçadas a criar um número maior de eventos para jovens competidores – afinal, era preciso revelar novos atletas para conquistar bons resultados internacionais e atrair mais patrocinadores.

Diogo Soares compete nos Jogos Abertos desde os 11 anos e, em 2018, ganhou seis medalhas de ouro na edição de São Carlos (Crédito: Divulgação/Jogos Abertos de São Carlos 2018

Dessa forma, se antes os Jogos Abertos do Interior e demais competições regionais eram as únicas opções dos atletas localizados em cidades interioranas, de repente eles ganharam um calendário completo de torneios e disputas, permitindo um maior desenvolvimento técnico e chamando a atenção de clubes maiores cada vez mais cedo. Assim, eles até participam do evento, mas muitos já entram como integrantes da seleção brasileira de suas modalidades.

Isso não significa, porém, que a fama de celeiro dos Jogos Abertos do Interior ficou para trás. Na verdade, apenas mostra que ficou mais difícil apontar em qual evento tal atleta foi “revelado” de fato. Olhe o caso do ginasta Diogo Soares, de Piracicaba. Desde seus 11 anos ele representa a cidade no evento regional, mas também representa o Brasil em competições internacionais desta faixa etária. É correto dizer que ele foi revelado nos Jogos Abertos? Mas podemos negar a influência do torneio em seu desenvolvimento esportivo?

O fato é que a competição segue importante por dois motivos principais. Para as cidades com maior estrutura, os Jogos Abertos são utilizados para dar mais experiência aos jovens competidores, permitindo que eles dividam as pistas, quadras e ginásios com gente mais velha e rodada. É o que faz, por exemplo, São José dos Campos, atual tricampeã dos Abertos (2017, 2018 e 2019).

Já as cidades menores, com pouca estrutura e investimento esportivo, os Jogos Abertos continuam sendo a única chance de colocar seus atletas para competirem. Daniele Hypólito foi certeira ao comentar sobre a importância do evento: nem todos os municípios têm condições financeiras de disputarem campeonatos brasileiros. Assim, é uma oportunidade rara que adolescentes têm de mudar suas vidas por meio da prática esportiva.

Portanto, ainda que os Jogos Abertos tenham perdido sua visibilidade nos últimos anos, eles seguem essenciais para os jovens competidores interioranos. O evento é a principal porta de entrada para conhecerem o universo da competição esportivo e de participarem lado a lado de nomes consagrados. Não há celeiro que proporcione uma experiência assim a jovens promessas no Brasil.

Gustavo Longo é jornalista especializado em cobertura esportiva e Mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação na ECA/USP