EM DISPUTA

Duas palavrinhas sobre o (anti)fascismo e a grande imprensa

No último domingo, circularam, nas redes sociais online e na mídia independente, vídeos de corintianos e santistas que iam (ou voltavam) dos jogos de seus clubes e acabaram encontrando e enfrentado apoiadores de Jair Bolsonaro, que realizaram uma grande manifestação da Avenida Paulista em apoio ao ex-presidente. Essa cena, certamente, nos remete aos desbloqueios das estradas, protagonizados pelas alas antifascistas das torcidas organizadas, e à “Primavera das Torcidas Antifascistas”, quando essas alas e outros coletivos de torcedores saíram, no auge da pandemia de Covid-19, às ruas das principais capitais brasileiras, a fim de manifestar seu repúdio às reivindicações antidemocráticas da extrema direita, que, semanalmente, organizava manifestações a favor da volta do regime militar (1964-1985).

Mas o que faz de um indivíduo, um grupo ou um movimento ser antifascista? Basta ser contra o fascismo? A resposta que a militância antifascista tem dado a essa pergunta é um categórico “não!”. Mas, então, do ponto de vista dessa militância, o que caracteriza o antifascismo? Basicamente, duas coisas: primeira, conforme observa Mark Bray (2017), a desconfiança em relação à capacidade das instituições da democracia parlamentar (burguesa) de controlar a violência da extrema direita e a desconfiança em relação à capacidade do debate racional de ideias de neutralizar as ideias fascistas. Por essa razão, tal militância tem, historicamente, optado pela ação direta. Segunda, a crítica ao capitalismo. Afinal, da perspectiva da referida militância, não é possível desvincular o fascismo do modo de produção capitalista, uma vez que, como a história nos ensina, sempre que as frações dominantes da burguesia perderem seu poder acumulação, elas recorrerão a regimes fascistas (ou com características fascistas), ainda que, eventualmente, a contragosto.

Dito isto, a pergunta que faço é: aceitando essa caracterização do (anti)fascismo, o que ela nos diz sobre a grande imprensa? Que, assim como já havia argumentado Louis Althusser (2013), ela opera como um aparelho ideológico de Estado, dissimulando os conflitos sociais e legitimando o modo de produção capitalista. Afinal, o enquadramento que ela geralmente confere ao (anti)fascismo faz crer que ele não possui qualquer vínculo com tal modo de produção: como se, por exemplo, a política neoliberal adotada pelo Ministro da Fazenda do governo de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, aplaudida de pé pelos representantes do capital financeiro, não tivesse qualquer relação com as súplicas dos apoiadores de tal governo pela reconstrução dos porões da ditadura. Ainda mais grave, como se o primeiro fosse a personificação das luzes da razão econômica e os segundos, apenas representantes de uma irracionalidade política residual. Ao enquadrar o (anti)fascismo dessa forma, a grande imprensa contribui, portanto, para apagar as raízes profundas do fascismo e manter o capitalismo como um sistema imaculado.

 

Referências bibliográficas

 

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado (notas para uma investigação). In: ZIZEK, Slavoj (Org.). Um mapa da ideologia.5 ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013, p. 105-142.

 

BRAY, Mark. Antifa: el manual antifascista. Madrid: Capitán Swing, 2017.

 

* Felipe Tavares Paes Lopes é professor do Curso de Educação Física da Unicamp.