São Paulo (AUN - USP) - Entender as interações entre os compostos bioativos e o sistema biológico é um dos trabalhos de um grupo do Instituto de QuÃmica da USP, coordenado pela professora Antonia Tavares do Amaral. O trabalho se origina de perguntas formuladas por outros pesquisadores de outras áreas. O laboratório de QSAR e Modelagem Molecular no Planejamento Racional de Moléculas Bioativas estuda a modelagem molecular de compostos bioativos com intenção de descobrir substâncias com potencial para se tornarem medicamentos e agroquÃmicos mais eficientes.
O processo de trabalho começa, algumas vezes, com um questionamento. Pesquisadores de outras unidades vão até o laboratório da professora Antonia Tavares do Amaral com a pergunta para entender alguma etapa de um processo bioquÃmico que ocorre em um sistema biológico. âTrabalhamos, por exemplo, com malária junto com professores do ICB. Então, existe uma rota metabólica que estamos tentando contribuir para o melhor entendimento. Desenhamos a etapa no computador e tentamos olhar virtualmente o que está acontecendoâ, exemplifica a professora. âEu acho superinteressante e desafiante, porque é uma abordagem multidisciplinar. Não dá para gente fazer tudo, é impossÃvelâ, completa.
As pesquisas do grupo se concentram em doenças negligenciadas, como doença de Chagas, malária e tuberculose, e uma praga em plantações de laranja, chamada amarelinho. âNa USP, existe uma iniciativa de trabalhar com doenças negligenciadas em que pesquisadores de várias unidades trabalham juntosâ, diz a pesquisadora. O grupo da professora Antonia observa o mecanismo das reações envolvidas nessas doenças e praga para entender como ele funciona e poder propor moléculas mais eficientes e menos tóxicas para o combate. âà um sistema de estudo bastante complexo e, portanto, as estratégias utilizadas mudam muito rapidamente. Por isso, tem-se que manter colaboração com grupos no exterior para se manter atualizado, é bastante novo no Brasil e mundoâ, fala a professora.
Os métodos para desenvolver e propor um novo medicamento são muitos, mas a necessidade de novas maneiras é constante. âNessa área, a inovação é algo bom. O nosso laboratório estuda métodos, então, aprendemos e desenvolvemos novas formasâ, diz a professora. O trabalho parte com milhões de compostos que serão reduzidos a partir de filtros virtuais aplicados de acordo com o foco proposto. Primeiro, a observação é feita virtualmente e, depois, os resultados são validados pela parte experimental no laboratório.
Um dos trabalhos do laboratório é com os compostos mais efetivos para o tratamento da doença de Chagas. âNela, por exemplo, começamos com uma biblioteca virtual de milhões de compostos. AÃ, comparamos com compostos ativos e que têm certas caracterÃsticas essenciais como, por exemplo, solubilidade, tamanho, número de carbonos, entre outros. Com isso, reduzimos consideravelmente os compostos para 300 mil. Destes, olhamos o que é conhecido na literatura sobre o anti-chagásico. Vemos que a proteÃna cruzaÃna é um alvo para a doença e daà olhamos seus inibidores e vemos o que eles têm de importante. Baseados nisso, construÃmos um modelo farmacofórico. Virtualmente, selecionamos moléculas por meio de filtros. Aà fazemos o docking, usado para ver se a molécula encaixa na proteÃna. Se encaixar, nós encomendamos o composto e ele chega em uma semana para os testes no laboratórioâ, explica Antonia do Amaral.
Os processos sem esses bancos de dados eram muito mais lentos, porque as moléculas eram planejadas e sintetizadas no próprio laboratório e não era possÃvel trabalhar com milhões. âAgora, as moléculas são compradas no exterior a partir de bancos de dados disponibilizados. O ideal seria sintetizar no laboratório, mas o processo não é factÃvel por demorar muitoâ, diz a professora. Quando uma nova molécula testada experimentalmente não é ativa, o processo é feito novamente com a mudança dos filtros. Quando ela é ativa, ou seja, é inibidora de uma proteÃna de um processo importante no sistema biológico, pode-se produzir uma patente.
As estratégias utilizadas mudam de acordo com o que se sabe em relação ao que está sendo estudado. âSão três abordagens de trabalho: quando eu conheço estrutura 3D da proteÃna e os inibidores; quando eu só conheço a estrutura 3D; e quando eu não conheço nadaâ, explica Antônia. Na doença de Chagas, conhecia-se a estrutura 3D e os inibidores. Nos casos em que se conhece apenas a estrutura 3D da proteÃna, como é o caso do amarelinho tem-se que construir um modelo, não considerando o alvo, mas sobrepondo e observando moléculas na proteÃna.
O grupo de pesquisa de modelagem molecular já descobriu uma molécula anti-chagásica. As pesquisas continuam, mas a patente já foi feita e o composto foi testado in vitro para confirmar sua atividade. Em relação à tuberculose, está sendo proposto um novo alvo.