ISSN 2359-5191

14/12/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 118 - Sociedade - Escola de Comunicações e Artes
Segurança deve garantir também direitos políticos, e não apenas civis

São Paulo (AUN - USP) - A segurança deve garantir além do direito aos espaços civis, também o direito ao espaço político, e a Universidade de São Paulo (USP), apesar de ser um espaço público, não assegura a existência efetiva da ação política. É isso que a advogada Laura Degaspare defende: “A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, acabou com a divisão entre direitos civis, políticos e sociais, porque eles têm que ser usados com formas integradas. Um direito não pode ser usado para ferir o outro”, explica ela, que participa da Comissão Municipal de Direitos Humanos.

Depois dos últimos acontecimentos envolvendo ação policial no campus da USP na capital, Laura questionou por que se reivindica a autonomia universitária na universidade pública. Em aula pública ocorrida na última semana, na Escola de Comunicações e Artes (ECA), ela explicou a autonomia pode ser entendida de dois modos: a autonomia da ação política autêntica ou a autonomia do espaço público regido pelo interesse social.

Na pólis grega, a ação política era desvinculada de interesses particulares. Nos espaços privados eram mantidas as necessidades individuais de sobrevivência, como o trabalho, o amor e a família. Já o espaço público, era comum aos indivíduos e excluía tudo que era do campo individual.

Nesse contexto, a mera defesa da autonomia do espaço público regido pelo interesse social, não contempla o espaço político. Essa defesa se restringe a de um espaço comum, cheio de interesses privatistas, em que não cabe a opinião espontânea e divergente, e impera os interesses dominantes. “Não se engane com a palavra social”, brinca Laura. Nesse caso, não haveria problema em ter a polícia dentro do campus, uma força do Estado. “A polícia é que resguarda o bem comum. O Estado é quem tem o poder de dizer o que é esse ‘bem comum’, e tudo que está fora dele é reprimido”, explica ela.

Segundo Laura, a própria atuação das pessoas dentro da universidade segue a lógica privada: os professores querem construir uma carreira acadêmica própria, os funcionários querem ascender na carreira profissional, e os estudantes querem um diploma. Nesse contexto, o reitor não passa de um gestor, que garantiria um interesse social cheio de interesses privativos.

Para explicar como o limite entre o público e privado se tornou tênue, Laura recorre à Filosofia do Direito. Na Antiguidade, o domínio absoluto sem possibilidade de diálogo era da esfera privada, e nunca da esfera pública. “A autoridade era exercida pelo chefe de família, o pater, dentro da esfera privada. Antes a opinião e os comportamentos uniformes eram típicos da família, que deveriam resguardar certos valores, o mesmo comportamento e religião”, explica a advogada. Essa administração caseira autoritária foi escapando para a vida pública. Com o passar do tempo, houve um enriquecimento da esfera privada dentro da esfera pública, em detrimento da esfera política. De acordo com ela, a partir daí a esfera pública passou a ser também um ambiente de ação interessada.

Na concepção antiga de esfera pública, os cidadãos se destacavam por meio das palavras, que os diferenciavam, trazendo novas idéias e opiniões para o debate político. Havia uma ação intima entre a ação e palavra política. “Mas hoje isso é encarado de modo diferente, a palavra e ação atuam independentemente”, diz a advogada.

Além de um espaço público, a universidade pública também é um espaço político. “Assim, precisamos garantir a autonomia que garanta o estado político. E não uma política assentada no interesse social assentado no Estado, mas, sim, garantir pluralidade de idéias e do dialogo espontâneo”, defende Laura.

Seguindo a mesma lógica, ela explica que com a modernidade, a política passou a ser apenas um instrumento que leva as pessoas a agirem da mesma forma, e se tornou um aparato do Estado, que também detém da força e da violência. O Estado age pra proteger certo interesse social comum, determinado pela imposição de um comportamento dominante, desejável e nivelador da sociedade. Laura acredita que não há mais espaço para a novidade e o choque de idéias, como acontecia na pólis, em que cada indivíduo significava uma possibilidade de mudança social. “A esfera pública uniformiza as pessoas e as diferenças ficam na esfera privada e individual”, diz ela.

Na opinião da advogada, a Polícia Militar não poderia ser utilizada pelo Estado para garantir apenas a segurança do interesse social e da propriedade, mas também para permitir a preservação do espaço político, a liberdade de expressão e de pensamento. “Hoje, consumir drogas, por exemplo, é aceitável apenas na esfera privada, e não deve ser levado no espaço público. Mas se isso for pensado como enfrentamento, como contestação ele tem que ser feito no espaço público, no espaço político, mas sempre junto com a palavra, que significa ação”, exemplifica Laura.

“Também temos que ser justo com o termo propriedade. Antigamente, a propriedade estava ligada com a intimidade e devia ser resguardada na esfera privada. Na pólis grega, a propriedade garantia o lugar da pessoa no mundo, se alguém deixasse de participar a vida política ela teria sua casa derrubada”, argumenta Laura, preocupada em não reforçar apenas a significação marxista do termo.

Para ela, a ocupação da reitoria da USP, em novembro, é também um exemplo interessante de como as esferas públicas e privadas são confundidas: ocupar a reitoria não significou ocupar o espaço público e político da Universidade, na prática funcionou como ocupar um espaço privado do reitor e do governo do Estado, já que a reitoria e o Estado recorreram a um direito que é extremamente civil: a reintegração de posse, o que significa reivindicar um direito privado e não um direito político.

Laura encerrou a aula questionando os muros que cerca a USP e a limitação das reivindicações estudantis. “A autonomia universitária é uma faca de dois gumes, porque defendê-la parece que se está defendendo interesses egoístas. A função pública da Universidade é tentar expandir seu espaço político para fora dos muros", alerta ela.

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