São Paulo (AUN - USP) - Na década de 1920, o movimento anarquista brasileiro entrava em decadência. A Lei de Repressão ao Anarquismo, promulgada em 1921 pelo presidente Epitácio Pessoa, visava eliminar as influências das ideias anarquistas entre o proletariado. As Escolas Modernas de São Paulo, materialização do projeto educacional libertário, haviam sido fechadas pelas autoridades em 1919. E o Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922 por ex-militantes anarcossindicalistas como Astrojildo Pereira e João da Costa Pimenta, influenciava cada vez mais o movimento sindical.
A tese de doutorado defendida por Tatiana da Silva Calsavara na Faculdade de Educação da USP, A Militância Anarquista Através das Relações Mantidas por João Penteado – estratégias de sobrevivência pós anos 20, busca resgatar a militância do educador anarquista João Penteado (1876-1965) durante esse período de enfraquecimento do movimento anarcossindical. A correspondência mantida entre Penteado e outros militantes como Rodolfo Felipe, Edgard Leuenroth, Pedro Catallo, Adelino de Pinho, José Oiticica, são a base do trabalho desenvolvido pela pesquisadora.
As escolas modernas
Em maio de 1912, intelectuais anarquistas influenciados pela experiência de Francisco Ferrer (1849-1909) na Escola Moderna de Barcelona (1901-1906) fundam em São Paulo, no bairro do Belenzinho, a Escola Moderna nº 1. Dirigida por João Penteado, a Escola Moderna nº 1 defendia princípios da pedagogia libertária: classes mistas, aulas em período integral, educação laica, valorização do livro, uso de jogos didáticos e laboratórios nas aulas de ciência. Alguns meses depois, é inaugurada a Escola Moderna nº 2, no Brás.
Em 1919, as escolas modernas de São Paulo são obrigadas pelas autoridades a fechar as portas após a explosão de uma bomba na casa de uma família anarquista no Brás, que resultou na morte de quatro militantes. Não se sabe se a explosão da bomba foi acidental ou planejada pela polícia, mas o episódio foi usado pelo governo para justificar o fechamento das escolas, alegando que essas faziam propaganda do anarquismo e incitavam práticas terroristas que levariam à desordem pública e social. Segundo Tatiana, as escolas modernas eram vistas como parte do movimento anarcossindicalista, “como uma forma de ação direta”.
A militância
Por meio da análise da correspondência trocada pelo educador e outros importantes nomes do movimento anarquista, o trabalho de Tatiana comprova que mesmo após do fim das escolas modernas, Penteado continuou militando ativamente pela causa anarquista. Publicou artigos em órgãos da imprensa operária como os jornais A Plebe, A Lanterna e O Trabalhador Graphico e combateu o discurso das elites e do clero, inclusive da Liga Operária Católica (braço sindical da Igreja), que equiparavam o anarquismo ao terrorismo.
Tatiana, que estuda o movimento anarcossindical desde a graduação, acredita que o anarquismo ainda é visto de maneira preconceituosa, daí a importância de seu trabalho.“Estudar as ações de homens como João Penteado nos leva a valorizar essa militância que lutava por justiça social, pelo acesso de todos à educação e por uma sociedade mais justa e igualitária.”
Tatiana realizou suas pesquisas no Arquivo João Penteado, doado por descendentes do educador para o Centro de Memória da Educação (CME-FEUSP).