ISSN 2359-5191

04/04/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 1 - Sociedade - Faculdade de Direito
Pesquisa analisa os efeitos jurídicos da parentalidade socioafetiva

O que faz de alguém pai ou mãe? Há um ditado popular que diz que “pai é aquele que cria”, não importando se concebeu a criança ou não. Parentalidade socioafetiva é o nome que se dá, no âmbito do Direito, ao tipo de paternidade do “pai que cria”. Não há vínculo biológico entre o adulto (é possível a existência de uma maternidade socioafetiva, mas os casos predominantes são masculinos) e a criança, mas esta, de posse do estado de filho (sendo tratada como filha pelo adulto) é reconhecida legalmente como filha e herdeira. O que fazer, no entanto, quando uma das partes se arrepende? Ou quando o filho decide que deve ter acesso ao patrimônio do pai biológico?

A falta de respostas para esses questionamentos é exatamente o cerne da tese de doutorado do professor Christiano Cassettari, defendida em março na Faculdade de Direito da USP. Para ele, o que incomoda e acabou por incitá-lo a escolher esse tema para a pesquisa é o fato de o Judiciário se preocupar pouco com as consequências da parentalidade socioafetiva, ao mesmo tempo que reconhece a existência desse tipo de relação em muitos casos que não seriam merecedores do título. “A parentalidade socioafetiva no Brasil”, diz, “deve ser repensada”. “Me parece que os julgados, às vezes, se preocupam com a situação momentânea, não com o que está no entorno da importância da decisão que está sendo proferida”, pondera o professor.

Esse foco nas consequências, inclusive, seria o que dá originalidade à tese: há bastante material acerca dos conceitos da socioafetividade, mas pouca discussão em torno de seus efeitos legais. O professor destacou também a importância de se usar o termo “parentalidade” e não “filiação” porque, segundo ele, todos os ascendentes daquele que assume a paternidade passam a ser parentes também. A irradiação das relações de parentesco, aliás, é um efeito do reconhecimento da socioafetividade.

Como um dos efeitos de que trata sua tese, o professor Christiano cita a multiparentalidade, “o efeito maior, um dos mais palpitantes”, ainda que não o mais polêmico. Foi o que ocorreu, por exemplo, no caso de uma menina de quatro anos em Recife, por sugestão do próprio Ministério Público, no início deste ano. A criança vivia com o pai e com a madrasta, pois, quando do seu nascimento, a mãe passava por dificuldades financeiras e abriu mão, provisoriamente, da sua guarda, para que o pai e a companheira pudessem cuidar do bebê. Quando a madrasta quis reconhecer a menina como filha, no entanto, ficou comprovado que tanto ela quanto a mãe biológica exerciam a função materna, não sendo possível escolher apenas uma como mãe, legalmente falando. Nesse caso, a socioafetividade existente entre a madrasta e a menina levou ao reconhecimento jurídico, que consta na certidão de nascimento, de que ela tem duas mães.

Ao falar dos possíveis problemas gerados pelo reconhecimento da socioafetividade, que, segundo ele, importa mais para a sociedade brasileira do que a paternidade biológica, o professor analisou o caso do joalheiro H. Stern, morto em 2007. Após seu falecimento, dois homens conseguiram a comprovação de serem seus filhos biológicos e tentaram tomar parte na herança, apesar de, na certidão de nascimento, terem o nome de outro pai. Esse tipo de caso, de acordo com Christiano Cassettari, deveria fazer com que o Judiciário pensasse melhor antes de conferir a parentalidade socioafetiva.

Como solução para os problemas citados na tese, o professor sugere um modelo parecido com o português, de apadrinhamento civil. Com esse modelo, pode-se ajudar financeiramente uma criança, ajudá-la a desenvolver seus estudos, além de oferecer a ela companhia e suporte, mas “sem que com isso se estabeleça o vínculo de parentesco”, ou seja, sem que o adulto faleça e a criança se habilite como herdeira de seu inventário. Esse modelo, para o professor, é o que mais se aproxima da solução para o problema que ele apontou como a “banalização da socioafetividade” ou até, num nível mais profundo, do próprio afeto.

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