Com o intuito de vencer as limitações do ensino de manobras básicas da disciplina Técnica Cirúrgica, desenvolvida em laboratórios pelos estudantes de medicina veterinária, um estudo feito por Maria Cláudia Inglez de Souza procurou uma forma de preparará-los melhor para as situações reais que eles irão enfrentar nas primeiras experiências cirúrgicas. Para isso, a pesquisadora mostrou que técnicas realizadas em animais vivos, em geral, sem donos, podem ser feitas em cadáveres, sem prejuízos didáticos. “Pretende-se proporcionar um ensino ético, mas de qualidade”, afirma ela.
Diante disso, Maria Cláudia desenvolveu um projeto que incluiu a simulação de sangramento e sua prevenção e interrupção, prática chamada hemostasia, no treinamento cirúrgico em cadáveres quimicamente preservados. "Se o estudante não desenvolver a habilidade e praticar estas técnicas nesse processo, ou se ficar demasiadamente tenso no momento em que uma hemorragia ocorrer, o paciente pode sofrer as consequências desse sangramento que, inclusive, pode culminar com o óbito", enfatiza a pesquisadora.
Atualmente, a disciplina separa a utilização dos cadáveres da prática da hemostasia. Os alunos primeiro utilizam modelos inanimados e cadáveres, que não sangram, para prática de algumas técnicas. E, somente depois, realizam castrações em animais vivos supervisionadas por um profissional experiente. "O que notamos é que, da etapa em cadáveres para a utilização de animais vivos, há uma lacuna a ser preenchida", explica. De acordo com a pesquisa, duas das grandes carências do aprendizado de técnica cirúrgica dos universitários são a ausência de sangramento durante o treinamento e as alterações na consistência dos tecidos dos cadáveres utilizados.
Isso acontece porque os simuladores, por mais eficiente que sejam, não criam a proximidade necessária com as condições reais observadas em um animal vivo durante uma cirurgia. Maria Cláudia ainda afirma, ainda, que as conjunturas ideais de um treinamento envolvem aspectos anatomicamente semelhantes, porém exigem que haja variações individuais. Segundo a pesquisadora, os alunos ficam bastante tímidos e hesitantes nas primeiras experiências reais em cirurgia e o método proposto ajudaria a complementar o treinamento dos estudantes.
Para concluir sua pesquisa, realizada na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, a médica veterinária ainda buscou saber a opinião de alunos que testaram a prática proposta. A aceitação do sistema foi grande: todos os avaliadores consideraram bom/ótimo o treinamento em cadáveres que simulam hemorragia. Além disso, entre os principais pontos positivos do método, 40% disseram que foi efetivo para identificar, prevenir e corrigir o sangramento, enquanto 30% citaram que a simulação do sangramento foi adequada. E outros 30% consideraram que o sistema proporciona uma maior proximidade com a realidade.
A viabilidade de implementação dessa proposta, entretanto, mostra-se bastante limitada. “O sistema até poderia ser colocado em prática, mas é extremamente laborioso”, justifica Maria Cláudia. A falta de disponibilidade de uma equipe que possa preparar o animal - processo rigoroso e demorado -, além da carência de instrumentos para a realização da simulação são algumas das barreiras encontradas.