O período que sucede uma cirurgia é marcado por um desconforto generalizado, que inclui naúseas e dor decorrente do procedimento anestésico cirúrgico. Uma pesquisa desenvolvida na Escola de Enfermagem da USP comprovou o papel de uma das chamadas terapias complementares, a calatonia, na redução das dores desse período, permitindo que os pacientes não só permanecessem menos tempo na sala de recuperação, como diminuindo a necessidade deles de medicamentos analgésicos.
São poucos os estudos que investigam as terapias complementares, muitas das quais tem origem na medicina oriental, como acupuntura. Em geral, elas visam restabelecer o “equilíbrio” do paciente, levando em conta aspectos emocionais, psicológicos e físicos, e podem ser usadas em conjunto aos tratamentos da medicina convencional, como os remédios.
A autora da pesquisa, Elaine Lasaponari, aplicou a calatonia em pacientes que passaram pela cirurgia de remoção da vesícula biliar (colecistectomia por videolasparoscopia). A operação é comum nos hospitais e tem duração e procedimento similar, e assim como o perfil dos pacientes que se submetem a ela, resultando em um conjunto de participantes bem homogêneo.
Divididos em dois grupos de 58 pessoas, os voluntários tinham uma média de 40 anos e se enquadravam na classificação do estado físico da escala ASA II, que indica doença sistêmica leve ou moderada, e tinham diabetes mellitus ou hipertensão. Na sala de recuperação pós-anestésica, a técnica era aplicada assim que terminava o procedimento cirúrgico e reaplicada após 30 minutos. No estudo randomizado, um dos grupos recebia a calatonia e o outro, o grupo placebo, recebia toques sem intenção terapêutica.
A sessão de aplicação da calatonia dura cerca de um minuto para cada ponto da sequência específica e lógica, saindo dos artelhos dos pés e chegando à nuca. “É um toque quase imperceptível, como se estivesse tocando uma bolha de sabão”, diz Elaine. Ela relata que as reações dos pacientes foram múltiplas. Alguns dormiram, outros choraram, manifestaram alegria e alguns se sentiram transportados a memórias de infância.
A priori, os participantes não sabiam em qual dos grupos se encaixavam, uma vez que todos receberam toques, sequenciais ou não. Todos relataram ter se sentido mais relaxados, fato que a pesquisadora atribui a atenção e o contato muito próximo direcionados aos pacientes em uma situação dolorosa como essa.
A comparação entre o grupo experimental e o grupo placebo, porém, demonstrou que os pacientes em que a técnica foi aplicada puderam receber menos medicação analgésica, como reflexo de uma redução significativa da dor. O tempo de permanência na sala de recuperação pós-anestésica do grupo que recebeu a técnica também foi inferior: “Eles se recuperavam mais rápido, sentiam menos dor e recebiam alta para o quarto dentro do tempo estimado”. Segundo Elaine, isso comprova a eficácia da técnica como coadjuvante na questão da recuperação pós-anestésica, aliada aos medicamentos.
Existem escolas de terapias complementares que ensinam a técnica da calatonia, oriunda do médico húngaro Pethör Sandór. Em seu trabalho com feridos da Segunda Guerra Mundial, notou que determinada sequência de toques em pontos dos dedos dos pés, calcanhar, tornozelo, panturrilha e cabeça trazia alívio da dor (imagem acima). Chegou a utilizá-la no tratamento de transtornos como estresse pós-traumático, depressão e ansiedade. A calatonia chegou ao Brasil quando o próprio Sandór instalou-se no interior de São Paulo fungindo da guerra.
O estudo de Elaine foi desenvolvido ao longo de dois anos, no mesmo hospital. Segundo ela, os pacientes dão margem para que o estudo e a aplicação das terapias complementares se amplie, trabalhando com um olhar humanizado e priorizando também o conforto psicológico do doente.