ISSN 2359-5191

25/05/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 39 - Arte e Cultura - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Tese defendida na FFLCH revela nova leitura de obra de Charles Dickens
"A Tale of Two Cities" é uma obra ambígua, que não se posiciona contra a Revolução Francesa, como foi interpretada
Tese revela que "A Tale of Two Cities" não é um romance que critica a Revolução Francesa. Pintura de Eugène Delacroix

"Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos todos direto para o Paraíso, íamos todos direto no sentido contrário." Essa série de paradoxos, contraposições, compõe as linhas iniciais do romance A Tale of Two Cities - Um Conto de Duas Cidades, editora Nova Cultural, 2002, tradução de Sandra Luzia Couto -, do clássico autor britânico Charles Dickens (1812-1870). Mas, apesar de o próprio título do livro apontar uma dualidade, a obra, publicada em 1859, vinha sendo lida de maneira unilateral, de modo a deixar de lado a ambiguidade, aspecto fundamental desta produção artística. Isso é o que revela a tese de doutorado de Érika Paula de Matos, defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

O enredo do livro se passa entre duas cidades, Londres e Paris, em momentos imediatamente antes e durante a Revolução Francesa. Neste contexto, Dickens expõe a história de dois homens, o francês Darnay e o inglês Sydney Carton, que são fisicamente idênticos, porém muito diferentes em termos de caráter e contexto de vida. "O narrador vai e volta, da França para a Inglaterra. Enquanto conta uma história de amor na Inglaterra, narra também a agitação política que está acontecendo na França, devido à Revolução", explica Érika de Matos. Assim, Dickens denuncia como o antigo regime francês era cruel, e como as pessoas sofriam buscando revolução na França, enquanto na Inglaterra o personagem Darnay vive momentos felizes.

Por conta dessa evidente disparidade é que o livro foi, por muito tempo, equivocadamente entendido como antirrevolucionário. "Na França, o livro foi lido como totalmente contra a Revolução. Por isso, o Dickens nunca conseguiu sucesso por lá. Ele conseguiu publicar o romance, com outro nome, e foi um dos menos vendidos dele por lá, e quando tentou lançar uma peça de teatro, não conseguiu", conta Érika de Matos.

De acordo com a tese da doutora, A Tale of Two Cities deve ser entendido como um livro de narrativa ambígua, na qual não há um posicionamento político claro e delimitado, o que se origina a partir da própria incapacidade do autor de pensar em uma solução viável para os problemas sociais de seu tempo. Como Matos explica, "havia duas soluções políticas no horizonte: uma era fazer uma Revolução, como na França, e a outra era fazer Reformas, que era o que a Inglaterra estava fazendo, criando leis para tentar resolver questões sociais. Então existem duas soluções: Londres e Paris, e o conto das duas cidades é, na verdade, uma discussão sobre Reforma versus Revolução."

Reforma X Revolução

Enquanto o conceito de Revolução prevê uma mudança completa na estrutura da sociedade, o de Reforma, apesar de também identificar que há problemas sociais a serem solucionados, prega a resolução por meio da criação de leis. "Dickens condena, sem sombra de dúvidas, a Reforma. Ele não acreditava nas instituições: não acreditava no Parlamento, não acreditava na Igreja Anglicana, não achava que essas instituições dariam algum resultado. Ele tinha medo da Revolução, o que era algo intrínseco à cultura inglesa, mas também não acreditava nas instituições", afirma Érika.

Apesar de também condenar a Reforma, Dickens, a princípio, aparenta ser apenas antirrevolução, devido à forma violenta como descreve a Revolução Francesa e a atuação dos revolucionários. Porém, Érika de Matos evidencia que essa aparente repulsa pela Revolução também revela certo engrandecimento: "Quando ele descreve a queda da Bastilha, ele usa aliterações, uma linguagem extremamente poética, descrições épicas. Então a gente vê que escapa do narrador essa admiração pela Revolução. Ao mesmo tempo em que ele está criticando todo o horror que ocorreu na Revolução Francesa, citando inclusive fatos reais, ele deixa escapar uma admiração pelos revolucionários."

Solução apenas literária

Dessa forma, diante do impasse exposto no romance pela contraposição entre Revolução e Reforma, o autor mantém seu discurso ambíguo, não se posicionando em relação a nenhuma das formas de resolução política. Mas, segundo Érika de Matos, ele cria uma resolução apenas literária, por meio do melodrama: "Dickens não se posiciona politicamente ao final do romance. No final, inventa uma solução melodramática, um Deus ex machina. Então, o melodrama no romance serve para apontar que não há solução política, é uma solução apenas literária." Assim, por rejeitar as duas soluções políticas disponíveis e criar apenas uma solução literária, melodramática, para o romance, a pesquisadora conclui que Dickens é um autor radical.


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