ISSN 2359-5191

26/05/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 40 - Educação - Instituto de Matemática e Estatística
Curso do IME-USP contesta atual método de ensino da matemática nas escolas
Curso de atualização para professores da rede pública analisa utilização do raciocínio lógico no ensino da matemática
O ensino da matemática no ambiente escolar deve ser contestado. Imagem: Reprodução.

É hora de desmitificar algo que já faz parte do senso comum: nem sempre a matemática, oferecida por professores no ambiente escolar, incentiva alunos a desenvolverem o raciocínio lógico. Essa contestação surgiu a partir da dissertação de mestrado de Aline dos Reis, orientada pela professora Cláudia Cueva Candido, do Instituto de Matemática e Estatística (IME-USP). Após atuar como professora em um colégio em que os fatos matemáticos nunca eram justificados para os alunos e nem os alunos eram chamados a justificar aquilo que eles pensavam, Aline propôs o tema da desconexão entre a utilização do raciocínio lógico no ensino da disciplina.

O lado prático do mestrado em educação de Aline uniu-se ao Caem (Centro de Aperfeiçoamento do Ensino de Matemática), do IME, onde atua como professora. Essa união resultou na criação do curso de atualização “A matemática escolar e o desenvolvimento do raciocínio lógico”, voltado para professores do ensino fundamental II e médio da rede pública de ensino.

O curso de atualização está acontecendo desde 18 de março e irá até o dia 24 de junho. Ele possui 30 horas de carga horária e difere dos outros cursos e oficinas oferecidas pelo Caem por ser parte do mestrado de Aline. “Porque faz parte da pesquisa dela, a gente tem um olhar diferente sobre esse nosso público do curso que é praticamente um curso sob medida para eles. Não é um curso que estava pronto. Ele vai sendo feito, construído, pensado e planejado a cada encontro que a gente tem com esses professores”, explica a orientadora do mestrado e professora Cláudia Cueva.

“Por que é assim?” “Porque é!”

O desligamento entre o raciocínio lógico e o ensino da matemática no antigo ambiente de trabalho foi o principal fator que fez Aline dissertar sobre o assunto em questão. A professora via seus colegas de profissão tratarem a lógica como algo distante da disciplina, como quando estes propunham “problemas de lógica”, presentes em revistas de passatempo. “A lógica era tratada de uma maneira completamente desligada da matemática. Aqueles desafios de lógica não faziam com que a matemática do currículo fosse trabalhada de uma maneira a desenvolver o raciocínio lógico”, diz Aline.

Outro ponto que motivou a dissertação da professora foi a diferença da matemática que é feita na academia e a matemática escolar. Ao passo que a primeira acontece por meio de demonstrações e provas, a escolar não traz a característica da justificativa dos fatos matemáticos estudados. A orientadora Cláudia complementa: “A escola, hoje em dia, tem sido um acumulado de regras, procedimentos e algoritmos. Qual o lado ruim disso? Os alunos decoram por um tempo, deixam de usar depois e esquecem. Como não há significado, o conteúdo é apagado da mente porque não há consistência para mantê-lo”.

Aline e Cláudia acreditam que falta aos professores que lecionam matemática nos colégios provocar e instigar os alunos para que eles possam adquirir o raciocínio lógico. É desejável que fomentem a ânsia nos estudantes em perguntar, questionar e argumentar. Para isso, é o professor deve perguntar o porquê das respostas dos exercícios matemáticos. “Os professores ficam sempre querendo dizer ‘faça assim e responda dessa forma’. É uma matemática prescritiva, você dá as instruções e pessoa faz, como em um manual. E o que a gente defende é o contrário, professor tem que fazer as boas perguntas porque aprendemos pensando e argumentando. Se buscarmos as recomendações do MEC, lá consta que o professor deve estimular seu aluno a raciocinar de modo lógico, a argumentar, fazer demonstrações”, conta Cláudia.

As professoras também analisam sobre quando professores levam desafios ou atividades extra curriculares para a sala de aula. O problema nessa ação é que, geralmente, será sempre o mesmo aluno que acertará o desafio. “Isso é uma espécie de caça-talentos”, comenta Aline. Os mesmos alunos irão brilhar pois eles sempre concluem com êxito a tarefa. Estimulando apenas resultado certo, ignora-se o processo do desenvolvimento do raciocínio. “O que é valorizado é o acerto, e não o processo. Só que o que desenvolve o raciocínio lógico é o processo de debater. As divergências, as discordâncias. Estamos chamando a atenção dos professores para isso”, ressalta Aline.

Raciocínio lógico

A primeira preocupação no início do curso foi tentar descobrir o que os professores participantes entendiam por “raciocínio lógico”, definição que causa dúvidas. Muitos deles definiram como ‘método para resolver problemas de modo rápido’. Cláudia, todavia, nega: “Raciocínio lógico é penoso e pode ser lento”.

O curso de atualização tem como objetivo fazer com que os professores participantes reflitam sobre o ensino dado em sala de aula. Oferecendo atividades didáticas, Aline e Cláudia objetivam que os professores comecem eles próprios a atuar de uma maneira diferente. “O objetivo desse curso é menos que os professores passem a provar resultados para os alunos e mais que eles entendam que, se os alunos deles forem ativos dentro da matemática, os eles próprios vão ter que provar coisas”, comenta Aline. Todavia, provar e demonstrar não é algo que os alunos estão habituados a fazer na matemática. “Certa vez, apliquei uma avaliação que tinha uma questão de semelhança de triângulos. Geralmente, as perguntas desse tema pedem para o aluno descobrir alguma medida de um dos triângulos”, relata Aline. “Entretanto, na questão que desenvolvi, escrevi este triângulo e este outro são semelhantes. Por que?’ Esse assunto virou motim. Um aluno até comentou: ‘Não tenho que saber por que! Só tenho que saber calcular!’”.

Além de atividades que os professores podem eventualmente adaptar às suas respectivas salas de aula, o curso também oferece esclarecimentos de conteúdo matemático que não estejam muito claros aos professores. O objetivo central do curso é, entretanto, provar aos professores que eles devem ser os responsáveis por estimular o aluno a pensar, pois só dessa forma ele será capaz de desenvolver o raciocínio lógico.

Sistema de ensino falho

A deficiência no ensino da matemática não está na questão de ser uma disciplina de fácil ou de difícil entendimento, mas sim na forma de torná-la mais significativa. “A questão não é se a matemática é difícil ou não, pois somos muito capazes de enfrentar dificuldades desde que encontremos significado nessa superação”, comenta Aline. “O x da questão não é se é fácil ou difícil para o aluno, mas sim se determinada coisa tem significado ou não, se eles entendem como uma experiência de valor na vida deles e não só para passar na prova”.

Essa falha no ensino não fica restrita apenas à matemática, ela circula por todas as áreas do ensino escolar. E, para que ela possa ser contornada, é necessário que o aluno participe das aulas de forma ativa, ou seja, perguntando e argumentando. Entretanto, o profissional também tem papel primordial em converter essa situação da forma que age em sala de aula, ele deve refletir como acolher todos os alunos. Um professor que age sempre de determinado jeito e percebe que existem alunos com dificuldades, “excluídos”, e não muda seu método de ensino, faz com que a exclusão perdure para sempre, cristalizando-a.

Esse defeito no método de ensino do Brasil é visível em dados analisados pelo Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). As capacidades atreladas à argumentação não são alcançadas por boa parte dos estudantes brasileiros. Nesse sentido, vê-se que não é só a matemática que carece desse exercício de argumentação nas escolas, mas sim, todas as outras disciplinas. “A nossa educação escolar produz e forma pessoas que têm uma dificuldade muito grande em argumentar e elaborar propostas de intervenção no mundo. Isso é muito visível ao se comparar o nível do Brasil em avaliações de larga escala. Não é a escola pública, é o nosso sistema de educação, a cultura educacional”, explica Aline.

Dados

A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgou em Abril de 2014 o resultado do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) que testou a habilidade de estudantes de 15 anos em resolver problemas de raciocínio lógico relacionados a situações práticas do cotidiano. O Brasil ocupa o 38° lugar entre os 44 países que tiveram a habilidade de seus estudantes avaliada.

“No Brasil, menos de 2% dos estudantes avaliados atingiram a performance máxima na solução dos problemas”, relata o site da Agência Brasil.

Dados de países analisados pela OCDE

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