ISSN 2359-5191

26/05/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 40 - Educação - Instituto de Psicologia
Educadores de ONG veem trabalho na Fundação Casa como missão de vida
Estudo ouviu relatos do cotidiano de profissionais que promovem cursos a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação
Atividades dos cursos oferecem novas experiências aos internos. Foto: Edu Fortes/AAN

A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa) tem por obrigação legal garantir aos adolescentes internos na Instituição tratamentos de saúde, esportes, cultura, educação formal e profissionalização. Parte dessas atividades é realizada dentro dos centros por ONGs parceiras do governo estadual, como a estudada pela psicóloga Anita da Costa Machado em sua dissertação de mestrado no Instituto de Psicologia da USP. A pesquisa foi feita junto a uma ONG que oferece cursos de qualificação profissional básica em 54 Centros espalhados por todo o estado de São Paulo.

Anita da Costa havia atuado em conjunto com a ONG por três anos antes da pesquisa, dando suporte e acompanhando os educadores para que estes trabalhassem de forma potente dentro dos Centros. Segundo ela, seu objetivo no estudo era entender como os educadores desses cursos de qualificação profissional habitam o “campo de forças” da Fundação Casa. Para tanto, conversou, por meio de um grupo de discussão, com nove deles, que relataram suas experiências em atuar dentro de uma instituição por meio de outra - a Fundação Casa e a ONG, respectivamente.

O corpo de educadores da ONG é muito heterogêneo, com profissionais de áreas e formações distintas, operando a partir de diferentes concepções de educação e de mundo, produzindo modos variados de ser educador. “Existem desde aqueles que acreditam que seu trabalho como educador tem a capacidade de salvar o adolescente do ‘caminho do mal’, concebendo que esse adolescente tem que se adaptar ao mundo, até os que questionam quem deveria mudar: o adolescente ou o mundo”, diz.

A psicóloga percebeu neles uma relação de não entendimento da atuação na ONG como um emprego, ou simples troca mercantil: “Eles entendem como uma missão de vida, feita com amor ou compromisso social, que atravessa a vida deles de uma forma plena”. Alguns se reconhecem como educadores, pois já haviam feito trabalhos semelhantes anteriormente, enquanto outros têm sua primeira experiência na educação no contexto da ONG. “Vidas foram alteradas a partir desse trabalho”. Cenas recompensadoras também aparecem nos relatos, como o momento em que um aluno repassa ensinamentos a outro adolescente.

Na pesquisa, ficou evidente que os educadores se encontram em um campo de muita tensão, cercados por uma série de afetos. Houve relatos apontando que o estabelecimento de boas relações com os educandos pode gerar oposição entre os funcionários da Fundação Casa que têm um olhar mais punitivo e repressor, sendo acusados de estarem em defesa de ‘vagabundos e marginais’. O contrário também ocorre: se o educador começa a estabelecer uma aliança de trabalho com os funcionários, os adolescentes podem entender que ele está alinhado aos ‘funça’ (gíria para denominar os funcionários). Como representante de uma instituição, o educador acaba lidando com uma extensa rede de relações e circunstâncias. Muitas vezes, ele entra para dar aula após situações de violência no Centro.

A pesquisadora salienta que o projeto de educação profissional estudado pode ser significativo considerando condições de produção especificas. “Cada Centro conta com um modo singular de funcionar e de se relacionar. Existem aqueles mais disciplinadores em que o educador não pode nem mesmo cumprimentar o aluno com um aperto de mão, porque, no entendimento das pessoas que dirigem o local, o gesto poderia estimular sexualmente o adolescente. Enquanto em outros Centros, quem domina são os adolescentes, que entram quando querem em sala, interrompendo as aulas”, diz.  

Além disso, devem ser viabilizadas condições de trabalho que permitam que o educador atue dentro desse complexo campo que envolve a relação com adolescentes e com a cultura institucional da Fundação Casa. Segundo ela, a educação profissional pode estar aliada à manutenção de modos aprisionados de vida, que não afeta e mobiliza, ou à produção e à proliferação da vida em comunidade, o que vai desde atividades para a manutenção da sobrevivência até a vivência em uma sociedade inclusiva responsável. O objetivo desses cursos, que têm duração total de 20 horas, seria apresentar aos adolescentes experiências amplas, isto é, mostrando que existem outros ‘mundos’ e fazendo a diferença na vida dos alunos.

Antes de iniciarem o trabalho, os educadores passam por um treinamento concedido pela ONG, com reflexões sobre sua atuação dentro desses espaços, estimulando a pensarem sobre a relação com os adolescentes de uma forma sensível e crítica. Esse trabalho não pode ganhar dimensões maiores, pois não possui uma dotação orçamentaria própria, já que o objetivo central da ONG não é a formação de educadores. No entanto, Costa defende que sejam implementados mecanismos para aperfeiçoar essa formação, como aumento da frequência dos encontros reflexivos.

São oferecidas mais de 100 opções de cursos para os Centros escolherem, divididos em nove arcos ocupacionais. Segundo a pesquisadora, a ONG justifica que o formato compacto visa garantir que não sejam deixados muitos cursos incompletos, já que uma decisão judicial pode determinar o fim do cumprimento da medida. Além disso, tem por finalidade apresentar uma iniciação profissional, não almejando a inserção direta ao mercado de trabalho formal. Seria uma oportunidade do adolescente entender como o mundo do trabalho funciona e conhecer suas opções. A Fundação Casa determina quais aulas serão disponibilizadas em cada unidade, a partir de interesses dos internos e das particularidades dos Centros.

Esse tipo de medida educativa visa garantir que o jovem saia da internação em situação melhor do que se encontrava quando entrou para o sistema. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é dever da família, da comunidade, da sociedade e do poder público garantir o direito à vida de crianças e adolescentes, sendo a execução de medidas socioeducativas de responsabilidade do Estado.

Segundo a pesquisadora, uma mudança, como a proposta pela PEC 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, retiraria o papel dos adultos em assegurar a formação desse adolescente, que se encontra em uma posição peculiar de desenvolvimento. “A responsabilidade deve ser compartilhada entre esses diferentes atores e o próprio adolescente, na medida em que é difícil exigir que o adolescente responsabilize-se pelo ato cometido se os adultos, que deveriam garantir seus direitos sociais, se ausentam da responsabilidade”, diz.

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