ISSN 2359-5191

14/09/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 88 - Arte e Cultura - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Identidade nacional brasileira pode ter sido moldada por visões estrangeiras
Estudou analisou a forma como viajantes estrangeiros do início do século 19 viam e definiam os habitantes da América portuguesa
Estrangeiros europeus viam o Brasil como um país pouco civilizado e com possibilidades de progresso no início do século 19 (Imagem: gravura de Jean-Baptiste Debret)

"Portugueses são burros"; "franceses não tomam banho"; "ingleses são pontuais"; "japoneses são estudiosos e inteligentes". Esses são estereótipos comumente disseminados no Brasil a respeito dos modos de vida de algumas nacionalidades estrangeiras. Assim como hoje muitos brasileiros se norteiam por tais definições restritas (e às vezes imprecisas) ao se referirem aos comportamentos de outras culturas, durante o século 19 o mesmo ocorreu na Europa após a publicação de narrativas de viagem em que britânicos e franceses relatavam suas visões sobre os habitantes nativos luso americanos. De acordo com uma pesquisa defendida como dissertação de mestrado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, essas visões estrangeiras possibilitaram apreciação sob uma perspectiva “de fora” sobre os residentes da América portuguesa, ofertando uma identidade que viria a ter espaço num futuro próximo entre aqueles a quem se referia.

Para Elis Pacífico Silva, autora do trabalho, diante do universo bastante diversificado dos viajantes europeus que vinham ao Brasil no começo do século 19, "nos deparamos com uma representação bastante significativa de generalizações a respeito do 'brasileiro', de seus hábitos e modos de vida". Esses estrangeiros, em sua maioria franceses e britânicos, estavam obstinados pelas potencialidades que o Brasil poderia proporcionar e produziram uma enorme quantidade de relatos do tempo que aqui passaram, segundo a pesquisadora: "Fascinados com as potenciais descobertas que poderiam ter a serviço de suas nações de origem, a explorar uma região do mundo cujas mudanças vivenciadas traçariam o caminho a percorrer rumo à 'civilização', indo além da curiosidade que circulava na Europa a respeito do Brasil naquele momento".

Assim, de acordo com Elis Silva, os relatos desses viajantes identificavam características e atribuíam expressão vocabular que acreditavam ser compatível à descrição dos habitantes do Brasil. "E este jogo de identidades e alteridades nos apontou a possibilidade de investigar como a percepção do 'outro', o habitante do Brasil, por um 'eu', o estrangeiro, delineou feições atribuídas ao luso americano, diversificadas entre os viajantes, mas que puderam definir um 'não ser' (britânico ou francês), abrindo a possibilidade do 'ser brasileiro'”, explica Elis.

Emergência de uma identidade nacional

Segundo a pesquisadora, por meio das descrições e definições de quem seriam os “portugueses europeus”, os “portugueses americanos”, os “brasileiros”, "entre tantas outras expressões identitárias possíveis numa sociedade multifacetada como a luso americana nas primeiras décadas do século 19, estariam sendo estabelecidos os vínculos entres os sujeitos sociais e o pensamento sócio-político dessa realidade histórica vivenciada por europeus e luso americanos".

De maneira geral, a visão que os estrangeiros tinham dos habitantes do Brasil estava relacionada à percepção do estágio atrasado de civilidade em que o país supostamente vivia no período em questão. Práticas sociais como religião, festejos, relações interraciais, comportamentos em público e mesmo as condutas adotadas na intimidade do lar, quando contempladas, foram todas traduzidas basicamente através do conceito de atraso, de acordo com Elis Silva. "Na medida em que o contato maior e mais constante com estrangeiros, tidos mais evoluídos, trariam melhoramentos à conduta dos habitantes do país, o estado recluso da sociedade, devido à falta de contato com outras nações, estaria sendo substituído, ainda que lentamente, por maior adaptabilidade ao progresso, opinião constante nos relatos que foram analisados na pesquisa", explica. Na visão dos viajantes, recorrentemente, características como ingenuidade, falta de instrução, reclusão, predileção pelo ócio, entre outros aspectos negativos, teriam mantido por muito tempo o atraso da população residente do Brasil, de acordo com a pesquisadora. Alguns traços positivos também foram mencionados nos relatos dos europeus, como, por exemplo, a hospitalidade com que os habitantes recebiam os estrangeiros, ainda de acordo com Elis.

Esta visão eurocêntrica, ainda que em muitos aspectos depreciativa no que diz respeito ao caráter do “brasileiro”, no processo de concepção de uma identidade, "pode ter sido um fator importante na construção de uma imagem por oposição por parte dos habitantes, transformando-se em um ponto de referência na concretização de uma identidade", segundo a pesquisadora.

Leia também...
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br