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09/11/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 106 - Sociedade - Faculdade de Direito
Os benefícios de um direito à água
Inexistente na legislação brasileira, o direito à água beneficiaria o acesso por parte das pessoas, principalmente os grupos mais vulneráveis da sociedade
Direito à água garantiria prioridade de acesso às pessoas e ao consumo humano

A crise hídrica de São Paulo pautou diversas discussões ao longo de 2015, mas o foco era sempre a possível falta d’água na capital e na região metropolitana, a seca, a falta de planejamento das autoridades. A questão ficou muito voltada para uma única região do país, sem levar em consideração que a água é um problema geral. Gabriela Saab, autora da tese de mestrado O Direito Internacional À Água no Direito Internacional, percebeu, durante sua pesquisa, que a crise hídrica é mundial, e atinge desde países pobres, de IDH muito baixo, como o Quênia, até países riquíssimos, como Austrália e Estados Unidos.

A ideia de se declarar um direito internacional à água, do mesmo modo que existe o direito à alimentação, ao transporte e à vida, surgiu no começo dos anos 2000 com um movimento iniciado pela Bolívia, a Revolução de Guadalajara. Na Assembleia Geral da ONU, dos 193 países que ali existem, 120 se declaram a favor. Argentina e África do Sul, por exemplo, conseguem transferir essa postura para sua jurisprudência, mas muitos deles são como o Brasil que, internacionalmente, adotam posturas bastante diplomáticas, mas, no âmbito nacional, permitem que os projetos estacionam no congresso. Atualmente, o país possui dois projetos de emenda constitucional parados: a PEC 39/2007 e a PEC 2013/12, que trariam ênfase à existência desse direito.

Com a implantação de um direito à água, haveria uma legitimidade para reclamar uma certa quantidade – segundo a ONU, o mínimo é de 50 a 100 litros por mês –, mas também a qualidade do líquido oferecido. “Muitas vezes, muito pior do que não ter acesso, é ter acesso a uma água de baixíssima qualidade, que causa diarreia e outros problemas de saúde”, explica Saab. Segundo a OMS, morrem mais crianças por conta do consumo de água de má qualidade do que HIV, malária e tuberculose juntas.

Os mais beneficiados seriam as populações vulneráveis, como os grupos indígenas, pessoas em situação de rua, pessoas que vivem em bairros afastados ou em áreas rurais. Com a existência de um direito à água, a prioridade de fornecimento seria para as pessoas, e não para empresas, como acontece hoje – durante a crise hídrica de São Paulo, a cidade de Itu, por exemplo, era uma das mais afetadas, mas, ainda assim, as empresas dali não tiveram seu abastecimento reduzido. Mesmo a agricultura ficaria em segundo plano, pois a prioridade de acesso seria às pessoas, ao consumo e às atividades humanas.

Apesar de isso parecer um conflito de direitos (alimentação e água), na verdade é uma complementaridade. O uso da água pelos pequenos produtores continuaria assegurado. Quem teria o fornecimento limitado seriam os grandes produtores industriais agrícolas, os quais utilizam uma quantidade absurda de água para produzir alimentos que são comercializados, mas que nem sempre têm um destinatário final e acabam indo para o lixo. Além disso, as indústrias seriam estimuladas a pensar em soluções que utilizem menos água, o que é positivo para o meio ambiente.

A prioridade é uma questão importante dentro do direito à água porque há uma competição infinita por esse recurso, que é finito. “Ele tem um ciclo e se recicla”, afirma Gabriela, “mas se extrairmos mais do que é possível de se conservar, se piorarmos a qualidade da água, depois não conseguiremos distribuir para todo mundo da mesma forma”. Segundo ela, não podemos contar com a engenhosidade do homem, pois isso impede que se diminua o consumo e que se pense em outras soluções para o problema.

O intuito de Saab era pesquisar se, de lá para cá, o direito à água havia sido de fato confirmado como um direito humano ou se continuava uma pretensão de alguns militantes da causa. O estudo não foi feito com base em um único país, mas, sim, como um movimento internacional. Se ele de fato fosse assegurado pelas leis, milhões de pessoas poderiam ser amparadas juridicamente ao exigir esse direito, além de impulsionar diversas melhorias quanto à qualidade e ao oferecimento da água.

De acordo com a pesquisadora, no Brasil, o direito à água acaba sendo garantido com base em outros direitos: do consumidor e à saúde por exemplo, mas não é tão específico e eficaz como seria uma lei que garantisse o direito à água. Felizmente, o assunto está em voga na sociedade civil, principalmente em São Paulo, o coração do mundo financeiro e econômico brasileiro, e isso pode levar a debates que pressionem o Congresso a aprovar as PECs relacionadas à questão. “É também uma mudança que vem de baixo para cima, das pessoas, da sociedade civil cutucando um pouco mais os governantes”, opina ela.

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