A tese de Daniel Rodrigues Machado, que integra o Estudo Sabe (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento) da Faculdade de Saúde Pública da USP, apresentou uma pesquisa acerca da violência contra idosos no município de São Paulo. A investigação contém dados da entrevista de 1.147 indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos, e buscou identificar a prevalência e as características dos abusos. Estima-se que o número de entrevistados represente 1.196.814 idosos do Município.
Os cidadãos, que foram selecionados através de um sorteio por domicílio, responderam a um questionário, o qual incluía perguntas sobre estado emocional, saúde, aspectos físicos, vitalidade, relação social e algumas mais diretas em relação à submissão a atos violentos. Nesse período, houve compensações por mortalidade, e novas visitas. Os dados foram coletados novamente após seis anos, baseados na atmosfera de segurança criada pelo entrevistador.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), violência contra os mais velhos constitui-se em “uma ação única ou repetida ou ainda a ausência de uma ação devida, que cause sofrimento e angústia, e que ocorre em uma relação em que haja expectativa de confiança”.
A pesquisa procurou apontar a incidência de abusos físico, psicológico, financeiro e abandono/ negligência, sendo estes últimos identificados por meio da observação do entrevistador.
Os resultados demonstraram que a maioria dos estudados em situação de violência tinha características em comum, como: sexo feminino, idade avançada, baixa escolaridade, deterioração cognitiva, doença neurológica, reumática ou psiquiátrica, presença de sintomas depressivos, dificuldades para atividades da vida diária e insuficiência de renda.
A análise concluiu que a prevalência da violência foi de 10,1%, sendo a psicológica a mais comum. Essa porcentagem representaria 120.759 pessoas na terceira idade expostas à opressão em São Paulo. Uma estatística elevada em relação a países considerados desenvolvidos, mas inferior a outros, como Índia, Tailândia, Rússia e China.
Tipos de violência identificados pelo estudo. Créditos: Daniel Rodrigues Machado.
O número de vítimas identificadas é bem representativo se comparado a amostra não exposta à agressão. Porém, é importante notar que esse dado tem potencial para ser ainda maior. A tese aponta que “vergonha, o receio de retaliações, o medo do rompimento dos laços familiares, da perda de autonomia e da moradia, já que grande parte vive com o agressor, são alguns dos fatores associados ao caráter, muitas vezes, velado do problema”. Ainda assim, os estudos que se propõem a identificar a ocorrência dos abusos são úteis na medida em que dão visibilidade à questão e estimam sua magnitude.
Marcos Alvarez, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, afirma que a permanência da violência nessa faixa etária poderia ser explicada pela situação vulnerável em que esse grupo encontra-se no Brasil. “A sociedade valoriza muito o novo e a juventude em detrimento da experiência e da tradição”, esse é um elemento que contribui para o quadro de inferiorização e estigmatização da velhice.
A investigação tem grande relevância pela caracterização da violência, tal como pela obtenção de informações sobre o perfil dos afetados, um conhecimento escasso na literatura brasileira. Os dados podem orientar a prevenção da opressão contra idosos, uma vez que potencializa a detecção de indivíduos em maior risco de exposição.
A proporção de pessoas com idade avançada cresce em um ritmo mais acelerado que a de qualquer outra faixa etária. Houve um crescimento de 600% em menos de 50 anos no Brasil. Já existem acima de 24 milhões de idosos no País e calcula-se que eles somarão, pelo mundo, 1,2 bilhões em 2025. Com o envelhecimento da população, é necessário que haja uma cultura de valorização e respeito aos mais velhos. A violência compromete a qualidade de vida do indivíduo, o que implica em seu estado de saúde e na predição de mortalidade, por isso, deve ser punida.